INSTRUÇÕES PARA A REDAÇÃO

1. O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.

2. O texto definitivo deve ser escrito à caneta preta, na folha própria, em até 30 linhas.

3. A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para a contagem de linhas.

4. Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que:

4.1. tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada "texto insuficiente";

4.2. fugir ao tema ou que não atender ao tipo dissertativo-argumentativo;

4.3. apresentar parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto;

4.4. apresentar nome, assinatura, rubrica ou outras formas de identificação no espaço destinado ao texto.

TEXTOS MOTIVADORES

TEXTO I

Toda sexta-feira, o ônibus azul e branco estacionado no pátio da Vara da Infância e da Juventude, na Praça Onze, Centro do Rio, sacoleja com o entra e sai de gente a partir das 9 h. Do lado de fora, nunca menos de 50 pessoas, todas pobres ou muito pobres, quase todas negras, cercam o veículo, perguntam, sentam e levantam, perguntam de novo e esperam sem reclamar o tempo que for preciso. Adultos, velhos e crianças estão ali para conseguir o que, no Brasil, é oficialmente reconhecido como o primeiro documento da vida – a certidão de nascimento. [...] 

Ao longo do discurso desses entrevistados, fica clara a forma como os usuários se definem: "zero à esquerda", “cachorro”, “um nada”, “pessoa que não existe”, entre outras, todas são expressões que conformam claramente a ideia da pessoa sem registro de nascimento sobre si mesma como uma pessoa sem valor, cuja existência nunca foi oficialmente reconhecida pelo Estado.

ESCÓSSIA, F. M. Invisíveis: uma etnografia sobre identidade, direitos e cidadania nas
trajetórias de brasileiros sem documento. Tese (Doutorado em História, Política e
Bens Culturais). Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2019.

TEXTO II

A Lei Nº 9 534 de 1997 tornou o registro de nascimento gratuito no Brasil. Só que o problema persiste, mostrando que essa exclusão é complexa e não se explica apenas pela dificuldade financeira em pagar pelo registro, por exemplo.

TEXTO III

A certidão de nascimento é o primeiro e o mais importante documento do cidadão. Com ele, a pessoa existe oficialmente para o Estado e a sociedade. Só de posse da certidão é possível retirar outros documentos civis, como a carteira de trabalho, a carteira de identidade, o título de eleitor e o Cadastro de Pessoa Física (CPF). Além disso, para matricular uma criança na escola e ter acesso a benefícios sociais, a apresentação do documento é obrigatória.

Disponível em: http://www.senado.leg.br/. Acesso em: 21 jul. 2021.

TEXTO IV

A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a defesa de seu ponto de vista.

Análise da proposta

Nesta edição de 2021, o ENEM colocou em discussão, em sua proposta de redação, um tema de grande relevância social: Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil. Como de costume, foi solicitada aos candidatos a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo com base em quatro textos motivadores:

O texto I da coletânea é um trecho da tese de mestrado da professora Fernanda da Escóssia: “Invisíveis: uma etnografia sobre a identidade, direitos e cidadania nas trajetórias de brasileiros sem documento.” Ele se inicia com a descrição de um fato comum a toda sexta-feira, no centro do Rio de Janeiro: o entra e sai de pessoas de um veículo estacionado no pátio da Vara da Infância e da Juventude a fim de retirar sua certidão de nascimento. A autora alerta para o fato de que aquelas pessoas que estão em busca de seu primeiro registro, surpreendentemente, são de idades variadas – adultos, velhos e crianças – mas têm em comum um fato: são todas pobres e, em sua maioria, negras. Além da latente questão social, o texto revela a visão que estes indivíduos têm de si mesmos. Qualificam-se como “um zero à esquerda”, “cachorro”, “um nada”, “pessoa que não existe”. Retratam, assim, a pouca importância que a sociedade e o Estado atribuem a esse grupo.

O texto II declara a gratuidade, desde 1997, do registro de nascimento no Brasil. A falta de documentação, de acordo com o texto, não seria, portanto, justificada pela situação financeira dos indivíduos, mas por outras questões que dificultariam o acesso. Na sequência, o texto apresenta um mapa do Brasil em que se observam os números de pessoas sem registro por região: a Sudeste é a recordista, seguida pela Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste.

O texto III, retirado do site do Senado, reforça que a existência oficial dos indivíduos para o Estado e a sociedade só ocorre com a obtenção da certidão de nascimento. Outros documentos importantes para a vida do cidadão – carteira de trabalho, RG, CPF, título de eleitor –dependem, para serem tirados, da apresentação da certidão de nascimento. Da mesma maneira, o Registro de Nascimento deve ser apresentado para que o indivíduo garanta a matrícula escolar ou obtenha benefícios sociais.

Por fim, o texto IV, um texto sincrético, é uma campanha publicada em site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, defendendo a visão de que todo individuo é visto, pelas defensoras e pelos defensores públicos, como cidadão. A imagem de um rosto, coberto por linhas que simulam uma impressão digital, confirma a afirmação do texto verbal.

Encaminhamentos possíveis

A questão central posta em debate é o quanto a ausência de uma documentação que certifique a existência do indivíduo se constitui em uma ameaça à cidadania. O registro de nascimento funciona como um importante mecanismo de controle do Estado, uma vez que este, analisando as estatísticas, poderá reconhecer os grupos em seus interesses particulares e coletivos e planejar políticas públicas. Sem o documento, o indivíduo – e até mesmo um grupo inteiro de indivíduos – não é reconhecido, não participa das decisões coletivas sem direito ao voto, não tem acesso às políticas públicas por sua invisibilidade; resumindo: não tem garantidos seus direitos e seus deveres.

Seria possível apontar, portanto, entre outros, os seguintes encaminhamentos:

Considerando o fato de que a ausência de documentação que comprove a existência do indivíduo o coloca em condições de maior vulnerabilidade, um bom percurso de análise seria explorar as causas e as consequências diretas desse problema.

Algumas das possíveis das causas da ausência de registro civil e consequente invisibilidade

- O texto I mostra que as pessoas que mais sofrem com essa invisibilidade são os negros e pobres, o que mostra relação direta com um passado escravista e de marginalização estrutural.

 - De acordo com o texto II, o registro civil já é gratuito por lei, assim, o problema não está apenas no custo do serviço. Pode-se imaginar como uma das causas a falta de acesso aos cartórios de registro, consequente de uma distribuição desigual que leve à ausência de cartórios em regiões mais pobres ou geograficamente mais afastadas da região central de cada município ou cidade do país.

- Desconhecimento da população sobre a necessidade de se obter o registro civil, o que pode estar associado à falta de instrução e/ou baixa escolaridade dos pais do indivíduo.

-  Omissão e descaso do Estado ao não verificar o número de nascidos, por meio de visitas periódicas de assistentes sociais e pesquisadores, principalmente nas regiões mais vulneráveis.

- Como reflexo de uma realidade brasileira de abandono parental, falta de legitimidade da paternidade, que levaria à dúvida quanto ao registro.

- Número significativo de partos feitos fora de ambiente hospitalar em especial dessa população mais vulnerável.

Algumas das possíveis consequências da ausência de registro civil e consequente invisibilidade

- Como aponta o texto 1 da coletânea textual, há um efeito negativo importante na autoimagem dos indivíduos sem registro, o que pode ser visto no uso de expressões como “zero à esquerda”, “um nada” e “cachorro”.

- Como indica o próprio tema, a apresentação do registro civil é uma necessidade para a retirada de outros documentos. Por isso, a falta de certidão de nascimento promove uma falta de acesso a outros documentos.

-  Em consequência da falta de documentos, as pessoas ficam sem acesso a direitos básicos, como saúde e educação, já que para fazer a matrícula escolar ou dar entrada em um hospital para ser atendido, a documentação é solicitada.

- O indivíduo não tem assegurados os seus direitos políticos, já que não têm título de eleitor e não pode votar.

- Sem registro civil, não é possível ter emprego de carteira assinada e, portanto, fica impossibilitado de usufruir dos direitos trabalhistas – ficam suscetíveis, inclusive, à exploração.

Considerando que, para a prova de redação do ENEM, o candidato deve apresentar proposta de intervenção que respeite os direitos humanos, algumas possibilidades de medidas interventivas incluem, por exemplo: 

- Campanhas de informação feitas pelo próprio governo federal no sentido de mostrar a importância do registro e indicar caminhos acessíveis para a população em vulnerabilidade obter o documento.

- Ampliação da rede de cartórios ou criação de outras formas de registro que sejam acessíveis às pessoas em situação de vulnerabilidade.

- Estímulo, por meio das unidades de assistência à saúde, a que as famílias registrem seus filhos antes da alta hospitalar da mãe, o que pode ser garantido por intervenção do Ministério da Saúde.

- Medidas de monitoramento acerca de partos extra-hospitalares;

- Parceria entre cartórios de registro civil e escolas para assegurar que estudantes indocumentados que se inscrevem no sistema educativo possam obter uma certidão de nascimento;

- Desburocratização do processo para obtenção de registros civis tardios (feitos após o prazo legal);

Considerando que a incorporação de repertório legitimado e autoral (ou seja, externo à coletânea) é fundamental na prova de redação do ENEM, o candidato poderia fazer referência, por exemplo, a leis, citações filosóficas ou produções audiovisuais pertinentes ao tema, tais como:

Declaração dos Direitos Humanos:

Artigo 3° — “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica”.

- Artigos 5º ou 6º da Constituição

Art. 5º — “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

Art. 6º — “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Referência a filósofos, como Rousseau, para o qual o cidadão é considerado “participante da autoridade soberana”.

Menção a músicas, filmes ou obras literárias que destacassem a invisibilidade, como “Meu Guri”, de Chico Buarque, ou os filhos não nomeados de Fabiano e Sinhá Vitória em Vidas Secas (“o mais novo” e o “mais velho”).