Sinhá

Se a dona se banhou
Eu não estava lá
Por Deus Nosso Senhor
Eu não olhei Sinhá
Estava lá na roça
Sou de olhar ninguém
Não tenho mais cobiça
Nem enxergo bem

Para que me pôr no tronco
Para que me aleijar
Eu juro a vosmecê
Que nunca vi Sinhá
[…]
Por que talhar meu corpo
Eu não olhei Sinhá
Para que que vosmincê
Meus olhos vai furar
Eu choro em iorubá
Mas oro por Jesus
Para que que vassuncê
Me tira a luz.

CHICO BUARQUE; JOÃO BOSCO. Chico. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2011 (fragmentado).

No fragmento da letra da canção, o vocabulário empregado e a situação retratada são relevantes para o patrimônio linguístico e identitário do país, na medida em que

  • a

    remetem à violência física e simbólica contra os povos escravizados.

  • b

    valorizam as influências da cultura africana sobre a música nacional.

  • c

    relativizam o sincretismo constitutivo das práticas religiosas brasileiras.

  • d

    narram os infortúnios da relação amorosa entre membros de classes sociais diferentes.

  • e

    problematizam as diferentes visões de mundo na sociedade durante o período colonial.

Na letra da canção “Sinhá”, um escravo se defende da acusação de que teria cobiçado a esposa de seu senhor. Os versos “Para que me pôr no tronco”, “Para que me aleijar”, “Por que talhar meu corpo”, “Para que que vosmincê / Meus olhos vai furar” e “Para que que vassuncê / Me tira a luz” referem-se à violência praticada contra os escravos. Além disso, a variação do pronome de tratamento em “vosmecê”, “vosmincê” e vassuncê” constitui um dos elementos que formam o patrimônio linguístico do Brasil. A língua e as heranças violentas da escravidão contribuem com a formação da identidade nacional brasileira.