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Leia o trecho do ensaio “As mutações do poder e os limites do humano”, de Newton Bignotto, para responder a questão.

A modernidade se construiu a partir do Renascimento à luz da famosa asserção do filósofo italiano Pico della Mirandola em seu Discurso sobre a dignidade do homem (1486), segundo o qual fomos criados livres e com o poder de escolher o que desejamos ser. Diferentemente dos outros seres, o homem pode constituir a própria face e transitar pelos caminhos mais elevados, ou degenerar até o nível inferior das bestas.

Para Pico della Mirandola, o homem é um ser autoconstruído, e, por isso, não podemos atribuir a forças transcendentes nem os sucessos nem os fracassos. A liberdade para forjar sua própria natureza é um dom que implica riscos. Se com frequência preferimos olhar apenas para a força de uma vontade, que decidiu explorar o mundo com as ferramentas da razão, desde a era do Barroco sabemos que o real comporta um lado escuro, que não pode ser simplesmente esquecido. Ao lado do racionalismo triunfante, sempre houve um grito de alerta quanto às trevas que rondavam as sociedades modernas.

O século XX viu essas trevas ocuparem o centro da cena mundial e enterrou para sempre a ideia de que o progresso da civilização iria nos livrar de nossas fraquezas e defeitos. O século da técnica e dos avanços espetaculares da ciência foi também o século dos massacres e do aparecimento da morte em escala industrial. Tudo se passa como se a partir de agora não pudéssemos mais esquecer da besta, que Pico della Mirandola via como uma das possibilidades de nossa natureza. O monstro, que rondava a razão, e que por tanto tempo pareceu poder ser por ela derrotado, aproveitou-se de muitas de suas conquistas para criar uma nova identidade, que nos obriga a conviver com a barbárie no seio mesmo de sociedades que tanto contribuíram para criar a imagem iluminada do Ocidente.

(Adauto Novaes (org.). Mutações, 2008. Adaptado.)



Dêiticos: expressões linguísticas cuja interpretação depende da pessoa, do lugar e do momento em que são enunciadas. Por exemplo, “eu” designa a pessoa que fala “eu”. Expressões como “aqui”, “hoje” devem ser interpretadas em função de onde e em que momento se encontra o locutor, quando diz “aqui” e “hoje”.

(Ernani Terra. Leitura do texto literário, 2014. Adaptado.)

Verifica-se a ocorrência de dêitico no seguinte trecho:

  • a

    “O século da técnica e dos avanços espetaculares da ciência foi também o século dos massacres e do aparecimento da morte em escala industrial.” (3º parágrafo) 

  • b

    “Diferentemente dos outros seres, o homem pode constituir a própria face e transitar pelos caminhos mais elevados, ou degenerar até o nível inferior das bestas.” (1º parágrafo) 

  • c

    “A liberdade para forjar sua própria natureza é um dom que implica riscos.” (2º parágrafo) 

  • d

    “Ao lado do racionalismo triunfante, sempre houve um grito de alerta quanto às trevas que rondavam as sociedades modernas.” (2º parágrafo) 

  • e

    “Tudo se passa como se a partir de agora não pudéssemos mais esquecer da besta, que Pico della Mirandola via como uma das possibilidades de nossa natureza.” (3º parágrafo)

O advérbio “agora” é um dêitico que expressa tempo, sua referência só se torna clara se se levar em conta o momento da enunciação, ou seja, o período posterior ao século vinte que permite saber das contradições desse século, marcado pelo saber e pela técnica, mas que não só não foi capaz de resolver todos os problemas da humanidade, como também contribuiu para agudizar muitos deles. Também o pronome “nossa” é um dêitico que indica a categoria de pessoa, no caso, a primeira pessoa do plural, que, no contexto, refere-se ao enunciador, ao enunciatário e a todos os seres humanos.