“(...) E, páginas adiante, o padre se portou ainda mais excelentemente, porque era mesmo uma brava criatura. Tanto assim, que, na despedida, insistiu:
- Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.”
(João Guimarães Rosa, A hora e a vez de Augusto Matraga, em Sagarana. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 380.)
“(...) Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.
Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrando, sumido:
- Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem!
Depois morreu.”
(Idem, p. 413.)
a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os ditos do padre apresentados no primeiro. Contudo, “a hora e a vez” do protagonista não são asseguradas, segundo a narrativa, pela reza e pelo trabalho. O que lhe garantiu ter “a sua hora e a sua vez”?
b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se aos encontros que ele tem com outro personagem, Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da narrativa. Em cada um desses momentos, Nhô Augusto precisa realizar uma escolha. Indique quais são essas escolhas que importam para o processo de transformação do personagem protagonista.
a) A “hora” e a “vez” de nhô Augusto Esteves, de fato, não foram asseguradas pela reza e pelo trabalho, ainda que tenha sido sua mudança de comportamento geral, após o conflito com o major Consilva e seus capangas, o que lhe garantiu a oportunidade de experimentar diferentes posturas ao longo de sua existência. O clímax da narrativa, alcançado na luta física entre Augusto e Joãozinho Bem-Bem é o que se entende como “a hora e a vez” do protagonista, uma vez que este chega a um ponto catártico de sua trajetória pessoal, que une duas formas de vida opostas: o ódio e a vingança como forças motivadoras de suas ações, e a defesa dos fracos e a ajuda aos necessitados como propostas fundamentais de vida. É apenas a união desses dois polos, na formação moral de Augusto Esteves, que lhe assegura o direito de ter, mesmo que no momento da morte, “a sua hora e a sua vez”.
b) Os dois encontros ocorridos entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem são marcados por escolhas feitas pelo protagonista. A primeira escolha é a recusa de Augusto em abandonar a vida que tinha ao lado de pai Serapião e mãe Quitéria para seguir viagem com o bando do jagunço que o convidara. A segunda é, no reencontro entre os dois, a opção de Augusto em enfrentar Joãozinho Bem-Bem para defender um velho a quem este pretende matar. As duas escolhas foram fundamentais no processo de transformação do personagem, que consegue, ao final, utilizar sua experiência de jagunço perigoso e matador para defender aquele que julga mais necessitado de auxílio.