A questão toma por base o “Soneto LXVII” (“Considera a vantagem que os brutos fazem aos homens em obedecer a Deus”), de Dom Francisco Manuel de Melo (1608-1666).

Quando vejo, Senhor, que às alimárias1
Da terra, da água, do ar, – peixe, ave, bruto –,
Não lhe esquece jamais o alto estatuto
Das leis que lhes pusestes ordinárias;

E logo vejo quantas artes2 várias
O homem racional, próvido3 e astuto,
Põe em obrar, ingrato e resoluto,
Obras que a vossas leis são tão contrárias:

Ou me esquece quem sois ou quem eu era;
Pois do que me mandais tanto me esqueço,
Como se a vós e a mi não conhecera.

Com razão logo por favor vos peço
Que, pois homem tal sou, me façais fera,
A ver se assi melhor vos obedeço.

(A tuba de Calíope, 1988.)

1 alimária: animal irracional.
2 arte: astúcia, ardil.
3 próvido: providente, que se previne, previdente, precavido.

Que contraste é explorado pelo poema como base da argumentação? Justifique sua resposta. Considerando também outros aspectos, em que movimento literário o poema se enquadra?

O poema estabelece uma oposição entre as “alimárias” e o “homem racional”, sugerindo que aquelas obedecem mais do que este às leis divinas. Por isso, o eu lírico termina o soneto pedindo ao “Senhor” para transformá-lo em “fera”. O jogo de oposições semânticas e o tema ligado ao universo religioso, bem como o tom de arrependimento que o poema revela, são características do Barroco, movimento literário ao qual Francisco Manuel de Melo se vincula.