A questão toma por base uma passagem de uma palestra de Amadeu Amaral (1875-1929) proferida em São Paulo, em 1914, e uma charge de Dum.

Árvores e poetas

Para o botânico, a árvore é um vegetal de grande altura, composto de raiz, tronco e fronde, subdividindo-se cada uma dessas partes numa certa quantidade de elementos: – reduz-se tudo a um esquema. O botânico estuda-lhe o nascimento, o crescimento, a reprodução, a nutrição, a morte; descreve-a; classifica-a. Não lhe liga, porém, maior importância do que aquela que empresta ao mais microscópico dos fungos ou ao mais desinteressante dos cogumelos. O carvalho, com toda a sua corpulência e toda a sua beleza, vale tanto como a relva que lhe cresce à sombra ou a trepadeira desprezível e teimosa que lhe enrosca os sarmentos1 colubrinos2 pelas rugosidades do caule. Por via de regra vale até menos, porque as grandes espécies já dificilmente deparam qualquer novidade. Para o jurista, a árvore é um bem de raiz, um objeto de compra e venda e de outras relações de direito, assim como a paisagem que a enquadra – são propriedades particulares, ou terras devolutas. E há muita gente a quem a vista de uma grande árvore sugere apenas este grito de alma: – “Quanta lenha!...”

O poeta é mais completo. Ele vê a árvore sob os aspectos da beleza e sob o ângulo antropomórfico3: encara-a de pontos de vista comuns à humanidade de todos os tempos. Vê-a na sua graça, na sua força, na sua formosura, no seu colorido; sente tudo quanto ela lembra, tudo quanto ela sugere, tudo quanto ela evoca, desde as impressões mais espontâneas até as mais remotas, mais vagas e mais indefiníveis. Dá-nos, assim, uma noção “humana”, direta e viva da árvore, – pelo menos tão verdadeira quanto qualquer outra.

(Letras floridas, 1976.)

1 sarmento: ramo delgado, flexível.
2 colubrino: com forma de cobra, sinuoso.
3 antropomórfico: descrito ou concebido sob forma humana ou com atributos humanos.

De acordo com a concepção de Amadeu Amaral, qual seria a diferença fundamental entre o ponto de vista do botânico e o do poeta? Justifique sua resposta.

Segundo o texto, o botânico e o poeta adotam diferentes perspectivas sobre o mesmo objeto: a árvore.
Para o primeiro, destacam-se aspectos técnicos, resultantes de uma observação objetiva, própria do pensamento científico. A “corpulência” e a “beleza” de um carvalho, conforme essa visão, não o diferenciam de outros vegetais menos vistosos e imponentes.
Para o outro, vale a observação mais subjetiva, tida pelo enunciador como resultado de um olhar “mais completo”. O poeta considera a árvore “na sua graça, na sua força, na sua formosura, no seu colorido”, criando assim uma noção “mais humana” do que técnica do vegetal.