Texto 1
Um dos traços característicos da vida moderna é oferecer inúmeras oportunidades de vermos (à distância, por meio de fotos e vídeos) horrores que acontecem no mundo inteiro. Mas o que a representação da crueldade provoca em nós? Nossa percepção do sofrimento humano terá sido desgastada pelo bombardeio diário dessas imagens?
Qual o sentido de se exibir essas fotos? Para despertar indignação? Para nos sentirmos “mal”, ou seja, para consternar e entristecer? Será mesmo necessário olhar para essas fotos? Tornamo-nos melhores por ver essas imagens? Será que elas, de fato, nos ensinam alguma coisa?
Muitos críticos argumentam que, em um mundo saturado de imagens, aquelas que deveriam ser importantes para nós têm seu efeito reduzido: tornamo-nos insensíveis. Inundados por imagens que, no passado, nos chocavam e causavam indignação, estamos perdendo a capacidade de nos sensibilizar. No fim, tais imagens apenas nos tornam um pouco menos capazes de sentir, de ter nossa consciência instigada.
(Susan Sontag. Diante da dor dos outros, 2003. Adaptado.)
Texto 2
Quantas imagens de crianças mortas você precisa ver antes de entender que matar crianças é errado? Eu pergunto isso porque as mídias sociais estão inundadas com o sangue de inocentes. Em algum momento, as mí- dias terão de pensar cuidadosamente sobre a decisão de se publicar imagens como essas. No momento, há, no Twitter particularmente, incontáveis fotos de crianças mortas. Tais fotos são tuitadas e retuitadas para expressar o horror do que está acontecendo em várias partes do mundo. Isto é obsceno. Nenhuma dessas imagens me persuadiu a pensar diferentemente do modo como eu já pensava. Eu não preciso ver mais imagens de crianças mortas para querer um acordo político. Eu não preciso que você as tuite para me mostrar que você se importa. Um pequeno cadáver não é um símbolo de consumo público.
(Suzanne Moore. “Compartilhar imagens de cadáveres nas mídias sociais não é o modo de se chegar a um cessar-fogo”.
www.theguardian.com, 21.07.2014. Adaptado.)
Texto 3
A morbidez deve ser evitada a todo custo, mas imagens fotográficas chocantes que podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis (dificultando, com isso, a ocorrência de horrores similares) devem ser publicadas.
(Carlos Eduardo Lins da Silva. “Muito além de Aylan Kurdi”. http://observatoriodaimprensa.com.br,
08.09.2015. Adaptado.)
Texto 4
Diretor da ONG Human Rights Watch, Peter Bouckaert publicou em seu Twitter a foto do menino sírio de 3 anos que se afogou. Ele explicou sua decisão: “Alguns dizem que a imagem é muito ofensiva para ser divulgada. Mas ofensivo é aparecerem crianças afogadas em nossas praias quando muito mais pode ser feito para evitar suas mortes.”
(“Diretor de ONG explica publicação de foto de criança”. Folha de S.Paulo, 03.09.2015. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva uma dissertação, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
Publicação de imagens trágicas:
banalização do sofrimento ou forma de sensibilização?
Análise da Proposta
Seguindo a tradição, a Unesp exigiu uma dissertação sobre um tema polêmico e atual, que respondesse à seguinte questão: “Publicação de imagens trágicas: banalização do sofrimento ou forma de sensibilização?”.
A proposta veio acompanhada de três imagens e de quatro textos verbais que serviram de subsídio à discussão. As três fotografias são representações trágicas que retratam o sofrimento humano. O texto 1, da ensaísta norte-americana Susan Sontag, critica a banalização de imagens que chegam por diversos meios e questiona a razão e os efeitos do bombardeio diário de fotos e vídeos. O texto 2 aponta problemas na prática recorrente nas mídias de publicar imagens mórbidas; para a autora, Suzanne Moore, a postagem de fotos de crianças mortas não modifica sua visão do horror que acontece no mundo. Os textos 3 e 4 seguem outra corrente de pensamento: ambos concordam com a ideia de que a veiculação de imagens chocantes ajuda no combate aos horrores.
Possibilidades de encaminhamento
A análise poderia envolver, entre outras, as seguintes questões:
- o impacto de imagens que atingem o status de “ícones históricos”, visto como capaz de causar comoção, já que elas se distinguem das demais e superam a banalidade;
- a influência da publicação dessas imagens para fomentar discussão e pressão a fim de que as atrocidades relatadas sejam combatidas;
- a sensação de bem-estar de quem compartilha tais imagens, por acreditar que a veiculação dessas imagens de violência ajuda a combater as atrocidades do mundo;
- a relação entre a divulgação dessas imagens e a cultura do sensacionalismo, que visa à busca de maior audiência;
- o risco de que a profusão dessas imagens anule a sensibilidade diante do sofrimento humano, reduzido a algo frequente e familiar;
- a busca por popularidade nas redes sociais, que faria da postagem de fotos e vídeos com "imagens trágicas" uma prática banal.