Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.
Na última estrofe, a expressão que justifica o uso da conjunção sublinhada no verso “Mas como dói!” é:
A conjunção adversativa mas estabelece uma relação de oposição entre a dor sentida pelo eu lírico e a indiferença em relação aos fatos do passado, pressuposto de “apenas uma fotografia”. Nessa expressão, o termo apenas reduz a extensão de sentido do substantivo fotografia: todo o universo subjetivo que poderia ser suscitado a partir da fotografia de Itabira é neutralizado com o apenas, reforçando o efeito de objetividade – trata-se “apenas” da imagem da cidade estampada numa parede. Opondo-se à indiferença que poderia resultar da mera representação da cidade, o eu lírico termina o poema reafirmando e ressaltando a dor que sente.