Seria ingenuidade procurar nos provérbios de qualquer povo uma filosofia coerente, uma arte de viver. É coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer, responde outro, de sentido oposto. A quem preconiza o sábio limite das despesas, porque “vintém poupado, vintém ganhado”, replicará o vizinho farrista, com razão igual: “Da vida nada se leva”. (...)
Mais aconselhável procurarmos nos anexins não a sabedoria de um povo, mas sim o espelho de seus costumes peculiares, os sinais de seu ambiente físico e de sua história. As diferenças na expressão de uma sentença observáveis de uma terra para outra podem divertir o curioso e, às vezes, até instruir o etnógrafo.
Povo marítimo, o português assinala semelhança grande entre pai e filho, lembrando que “filho de peixe, peixinho é”. Já os húngaros, ao formularem a mesma verdade, não pensavam nem em peixe, nem em mar; ao olhar para o seu quintal, notaram que a “maçã não cai longe da árvore”
Paulo Rónai, Como aprendi o português e outras aventuras.
No texto, a função argumentativa do provérbio “Da vida nada se leva” é expressar uma filosofia de vida contrária à que está presente em “vintém poupado, vintém ganhado”. Também é contrário a esse último provérbio o ensinamento expresso em:
Os provérbios são expressões da sabedoria popular, são figurativizações condensadoras de visões de mundo que circulam nas diferentes sociedades. No texto, o provérbio “Da vida nada se leva” figurativiza o princípio do carpe diem, do descomedimento, da fruição dos prazeres da vida presente (como faria o “vizinho farrista”). Já “vintém poupado, vintém ganhado” louva a economia, a precaução financeira, a valorização das atitudes que são tomadas em vista do futuro; ou, nos termos do texto, o “sábio limite das despesas”. Em oposição a esse provérbio, “Mais vale pão hoje do que galinha amanhã” ilustra a tese de que a vida presente vale mais que a futura, retomando o mesmo tema contido em “Da vida nada se leva”.