Morro da Babilônia
À noite, do morro
descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
Geral).
Quando houve revolução, os soldados
espalharam no morro,
o quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.
Mas as vozes do morro
não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p.19.)
No poema “Morro da Babilônia”, de Carlos Drummond de Andrade,
Por um lado, o poema faz uma menção à cidade do Rio de Janeiro, que é um tema recorrente em Sentimento do mundo. Essa menção nasceria de uma relação de parte pelo todo, em que, sinedóquica ou metonimicamente, o morro remete à cidade. Por outro lado, existe uma relação de oposição no percurso figurativo do texto, em que o caráter das vozes que descem do Morro da Babilônia expõe o convívio entre as ideias de gentileza e terror.