É preciso também que nos questionemos sobre a finalidade última das obras que julgamos dignas de serem estudadas. Em regra geral, o leitor não profissional, tanto hoje quanto ontem, lê essas obras para encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.
(Adaptado de T. Todorov, A literatura em perigo. São Paulo: Difel, 2009, p. 32-33.)
FÓRMULA MÁGICA DA PAZ
Essa porra é um campo minado
Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui?
Mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho
A minha vida é aqui e eu não consigo sair
É muito fácil fugir, mas eu não vou
Não vou trair quem eu fui, quem eu sou
Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim
O ensinamento da favela foi muito bom para mim
(...)
A gente vive se matando, irmão, por quê?
Não me olhe assim, eu sou igual a você
Descanse o seu gatilho, descanse o seu gatilho
Entre no trem da malandragem, meu rap é o trilho
(Racionais Mc’s, Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2018, p. 121 e 129.)
a) Identifique, nos versos transcritos acima, uma expressão que se opõe ao título da canção e uma outra que o confirma. Explique o título da canção considerando o último verso.
b) Com base no trecho de Todorov e no excerto da canção, formule dois argumentos (um ético e um estético) que justifiquem o estudo do rap.
a) É possível identificar duas expressões que se opõem ao título da canção: “Campo minado” e “a gente vive se matando”. Ambas remetem à violência e à guerra, significados opostos à “paz”. Já a expressão “descanse o seu gatilho” indica uma negação da violência, uma vez que “gatilho” é a peça disparadora dos tiros nas armas de fogo. Considerando-se o último verso da canção (“Entre no trem da malandragem, meu rap é o trilho”), o título “Fórmula mágica da paz” é uma referência ao próprio rap, pois esse gênero musical busca promover uma conscientização acerca da verdadeira guerra vivenciada nas periferias e regiões marginalizadas. O rap alerta contra os perigos impostos pela criminalidade, pela violência, pelo tráfico de drogas, pelo consumismo etc., incitando seus ouvintes a enveredarem pelo caminho da paz.
b) Considerando a Ética, é possível justificar o estudo do rap pela sua contribuição para uma compreensão mais ampla a respeito da realidade de violência e de preconceito vivenciada por uma parcela significativa da população brasileira. Além dessa ampliação do conhecimento de mundo, o rap auxilia na consolidação dos processos identitários da população excluída, ao apresentar o ponto de vista dos marginalizados — o que está relacionado ao autoconhecimento e à autoestima. Do ponto de vista estético, o estudo do rap se justifica pela sua relevância como expressão artística contemporânea, que renova o gênero da canção por meio de um canto quase falado, marcado pelo ritmo e pelas rimas, e por arranjos que exploram a apropriação de outras obras a partir de samplers.