TEXTO I
Na década de 1970, o Brasil não era apenas um país pobre. A maior parte dos seus municípios era habitada por elevada concentração de pobres, e a carência de serviços essenciais era generalizada. Nos últimos quarenta anos, ocorreu sensível melhora nas condições de vida das cidades brasileiras. A renda per capita aumentou, a concentração de pobres diminuiu e a cobertura de serviços de infraestrutura física, bem como a oferta de médicos e os níveis de escolaridade melhoraram sensivelmente. Entretanto, a desigualdade de riqueza entre os municípios brasileiros permaneceu rigorosamente estável, a desigualdade territorial da concentração da pobreza aumentou e diminuíram as desigualdades no acesso a serviços básicos de energia elétrica, água e esgoto, coleta de lixo e níveis de escolaridade.
A trajetória da melhora teve, contudo, marcada expressão regional. Nos últimos quarenta anos, ela se iniciou nos municípios mais ricos, nos quais a universalização dos serviços antecede – em muito – a expansão da cobertura aos demais. A melhora das coberturas nas Regiões Sul e Sudeste constitui o primeiro ciclo de expansão para todas as políticas, ainda que com ritmos diferentes para cada política setorial. A melhora da cobertura para as Regiões Sul e Centro-Oeste constitui o segundo ciclo de expansão para todas as políticas. Por fim, as Regiões Norte e Nordeste são a última área de expansão da oferta de serviços.
ARRETCHE, M. Trazendo o conceito de cidadania de volta: a propósito das desigualdades territoriais. In: ARRETCHE,
M. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos.
São Paulo: Ed. Unesp/CEM, 2015 (adaptado).
TEXTO II
TEXTO III
O IBGE divulgou dados sobre a renda em cada estado em 2019. A pesquisa mostrou uma disparidade grande entre as diferentes unidades da federação. Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro aparecem como os locais com maior rendimento domiciliar per capita.
Além de mostrar as distâncias entre cada estado, os números do IBGE revelam disparidades expressivas entre as regiões brasileiras no ano de 2019. Em especial, fica evidente o menor rendimento por pessoa em estados das Regiões Norte e Nordeste.
Todos os estados das Regiões Norte e Nordeste tiveram rendimentos per capita menores que os estados das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste em 2019. Isso significa que os 16 estados do Brasil com menor renda domiciliar per capita foram os 16 estados pertencentes às Regiões Norte e Nordeste. Da mesma forma, as 11 unidades com maior rendimento em 2019 são as que compõem Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br.
Acesso em: 30 set. 2020 (adaptado).
TEXTO IV
Qual momento específico da ocupação do território brasileiro acentuou de modo mais relevante as desigualdades sociais?
Santos – A globalização. Ela representa mudanças brutais de valores. Os processos de valorização e desvalorização eram relativamente lentos. Agora há um processo de mudança de valores que não permite que os atores da vida social se reorganizem. Até a classe média, que parecia incólume, está aí ferida de morte.
Em "O Brasil" o sr. diz que a globalização agrava as diferenças regionais brasileiras. Até que ponto ela também integra?
Santos – Ela unifica, não integra. Há uma vontade de homogeneização muito forte. Unifica em benefício de um pequeno número de atores. A integração é mais possível do que era antes. As novas tecnologias são uma formidável promessa. A globalização é uma promessa realizável e a integração será realizada.
Entrevista de Milton Santos em 2001. Disponível em:
folha.uol.com.br. Acesso em: 18 jul. 2020.
PROPOSTA DE REDAÇÃO
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija um texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
Seguindo a tradição consolidada nos exames regulares, a primeira edição do Enem Digital apresentou o tema de redação com base em uma frase em forma de afirmação: “O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil”. Para ajudar a delimitar o recorte temático, foram selecionados quatro textos para compor a coletânea de apoio. Com base neles, era possível identificar com mais precisão que tipo de desigualdade deveria constituir o centro da discussão: a econômica.
A intrínseca relação entre a frase-tema e os textos que compuseram a coletânea deveria ser o ponto de partida da reflexão do participante: não é possível discutir o tema apenas com base no enunciado que o sintetiza, haja vista que o sentido pleno do termo “desigualdades” só se constrói com os textos da coletânea. Essa característica deixa evidente que o exame de redação do Enem é necessariamente precedido por uma prova de leitura, em que diferentes aspectos do tema se somam para determinar seus limites. Assim, por mais que o primeiro texto aborde as disparidades de acesso a serviços básicos como água, esgoto, saúde ou escolaridade, tais desigualdades não constituem o centro do debate, já que a questão econômica é o ponto central de todos os textos da coletânea.
Os textos selecionados pela banca trouxeram informações, dados e opiniões que ajudam a compor o contexto mais amplo para a discussão sobre as desigualdades: o texto I se fundamenta em uma abordagem histórica, contrapondo o passado recente (década de 70) ao atual estágio de desenvolvimento econômico, fundado na permanente disparidade entre as regiões do país. Por mais que tenham sido diminuídas as diferenças de acesso a serviços essenciais condicionantes do aumento da riqueza, como energia elétrica, água potável, coleta de esgoto, saúde e educação, a concentração de renda ainda permanece alta.
Os textos II e III trazem dados que apontam para a permanência das disparidades econômicas, mesmo diante do aumento do IDH em cada região, o que revela as profundas raízes do problema na sociedade brasileira. Segundo os dados, as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste concentram a maior riqueza, seguidas pelo Nordeste e pelo Norte. No texto IV, o geógrafo Milton Santos destaca o papel da globalização como um elemento agravador das desigualdades, pois acelera a velocidade das valorizações e desvalorizações: sociedades mais ricas veem seus ganhos crescerem muito rapidamente com circulação de bens e capitais; as que sofrem com carência de recursos financeiros e de capital humano qualificado são preteridas no jogo de poder globalizado, devido ao custo elevado para o equacionamento das oportunidades e para a formação de um mercado robusto.
Outro ponto que deve despertar atenção para a elaboração do texto é o direcionamento feito pelos termos “desafio” e “reduzir”, com que a frase-tema se inicia. Muito embora haja visões diferentes a respeito das desigualdades econômicas entre as regiões brasileiras, a análise deveria se concentrar nos obstáculos que impedem a redução desse mal. Sem esse cuidado, a dissertação pode assumir um tom demasiado expositivo a respeito das disparidades regionais, sem que os entraves à sua redução sejam discutidos com clareza.
Dentre diversas possibilidades de encaminhamento da reflexão, destacam-se as seguintes:
- As enormes diferenças de riqueza entre as regiões se assentam no processo histórico de formação de cada uma delas. A região Sudeste se desenvolveu com base na cafeicultura, cujo dinheiro impulsionou posteriormente a urbanização e a industrialização; a região Sul se apoiou em um tipo de colonização feita por imigrantes europeus, sem grande influência da escravidão e com pouca concentração fundiária. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste contaram com a intervenção do Estado, especialmente a partir dos governos militares, para, por exemplo, a construção de Brasília ou o desenvolvimento de projetos de exploração mineral e agrícola.
- Com vasto território e uma democracia relativamente jovem, a atuação do Estado para a mitigação das diferenças econômicas é crucial e pode desencadear investimentos privados, também geradores de riquezas. Nesse sentido, projetos como a Zona Franca de Manaus, a Rodovia Transamazônica, a Ferrovia Norte-Sul ou mesmo a criação das novas fronteiras agrícolas no Centro-Oeste constituem políticas de Estado que visam ao desenvolvimento tanto regional como federal. Um dos maiores desafios é a delicada equação que envolve a necessidade de orçamentos bilionários e a realidade de contas públicas deficitárias.
- Como o desenvolvimento econômico está diretamente ligado ao capital humano, a formação e a especialização de mão de obra tornam-se um ponto central no tema das disparidades de riquezas entre as regiões. Os sistemas públicos e privados de educação básica, técnica e de nível superior são um dos maiores gargalos do desenvolvimento e do crescimento econômico. Nesse sentido, a aprovação do aumento do orçamento do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) representa uma medida que pode render efeitos de médio e longo prazo no tocante à formação cultural, profissional e, por conseguinte, às disparidades econômicas regionais.
- Um dos maiores desafios das regiões do país é romper com o círculo vicioso segundo o qual o tímido desenvolvimento educacional gera uma economia que não se desenvolve no mesmo ritmo de lugares em que a mão de obra e o conhecimento atraem investimentos e geram renda e mais desenvolvimento. A título de exemplo, universidades públicas de São Paulo como USP, Unicamp e Unesp constituem polos de formação acadêmica e profissional de excelência devido, em grande parte, a um regime de autonomia administrativa e de repasses de verbas públicas assegurados por lei.
- Outro efeito das disparidades econômicas nacionais é a alta dependência que muitas regiões têm de dinheiro público, na forma de custeio da economia local, ou de investimentos para alavancagem econômica. Não são poucos os municípios brasileiros cuja economia se movimenta, em grande parte, com dinheiro dos servidores públicos, dos pensionistas aposentados pelo INSS ou cidadãos beneficiados por programas estatais de transferência de renda.
Diante de diferenças regionais tão evidentes e da necessidade de investimento público como forma de alavancar crescimento e riqueza, o Estado brasileiro promoveu, a partir da década de 90, uma série de privatizações de diversos setores de que detinha o monopólio, como mineração, telefonia ou transmissão de energia elétrica, a pretexto de direcionar seus esforços e recursos para o desenvolvimento econômico e social de forma mais direta.