Dias depois da morte de D. Mariquinha, Seu Lula, todo de luto, reuniu os negros no pátio da casa-grande e falou para eles. A voz não era mais aquela voz mansa de outros tempos. Agora Seu Lula era o dono de tudo. O feitor, o negro Deodato, recebera as suas instruções aos gritos. Seu Lula não queria vadiação naquele engenho. Agora, todas as tardes, os negros teriam que rezar as ave-marias. Negro não podia mais andar de reza para S. Cosme e S. Damião. Aquilo era feitiçaria. [...]
E o feitor Deodato, com a proteção do senhor, começou a tratar a escravatura como um carrasco. O chicote cantava no lombo dos negros, sem piedade. Todos os dias chegavam negros chorando aos pés de D. Amélia, pedindo valia, proteção contra o chicote do Deodato. A fama da maldade do feitor espalhara-se pela várzea. O senhor de engenho do Santa Fé tinha um escravo que matava negro na peia. [...] E o Santa Fé foi ficando assim o engenho sinistro da várzea.
RÊGO, J. L. Fogo morto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
A condição dos trabalhadores escravizados do Santa Fé torna-se exponencialmente aflitiva após a morte da senhora do engenho. Nessa passagem, o sofrimento a que se submetem é intensificado pela reação à
De acordo com o texto, o sofrimento a que os trabalhadores escravizados são submetidos após a morte de D. Mariquinha é intensificado pela ordem que Seu Lula dá ao feitor, Deodato: todas as tardes, os negros deveriam rezar as ave-marias, renegando suas crenças, consideradas feitiçaria.
Obs. É necessário salientar que, na passagem “o sofrimento a que se submetem é intensificado”, a leitura mais imediata dá a entender que se tenha sido empregado o verbo pronominal “submeter-se”, o que levaria a um entendimento de que os escravos se submetem voluntariamente aos sofrimentos impostos pelo senhor de engenho. A leitura, portanto, mais coerente, mesmo não sendo imediata, é a de que se empregou o pronome “se” como partícula apassivadora: “o sofrimento a que se submetem os escravos é intensificado”, sendo, nesse caso, “os escravos” sujeito paciente. Essa indesejada ambiguidade na interpretação do “se” poderia ter sido evitada, se o redator da questão tivesse optado pelo emprego da voz passiva analítica: “o sofrimento a que são submetidos é intensificado”.