TEXTOS MOTIVADORES
TEXTO I
A maior parte das pessoas, quando ouve falar em “saúde mental”, pensa em “doença mental”. Mas a saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais. Pessoas mentalmente saudáveis compreendem que ninguém é perfeito, que todos possuem limites e que não se pode ser tudo para todos. Elas vivenciam diariamente uma série de emoções como alegria, amor, satisfação, tristeza, raiva e frustração. São capazes de enfrentar os desafios e as mudanças da vida cotidiana com equilíbrio e sabem procurar ajuda quando têm dificuldade em lidar com conflitos, perturbações, traumas ou transições importantes nos diferentes ciclos da vida. A saúde mental de uma pessoa está relacionada à forma como ela reage às exigências da vida e ao modo como harmoniza seus desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções. Todas as pessoas podem apresentar sinais de sofrimento psíquico em alguma fase da vida.
Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br. Acesso em: 27 jul. 2020 (adaptado).
TEXTO II
A origem da palavra “estigma” aponta para marcas ou cicatrizes deixadas por feridas. Por extensão, em um período que remonta à Grécia Antiga, passou a designar também as marcas feitas com ferro em brasa em criminosos, escravos e outras pessoas que se desejava separar da sociedade “correta” e “honrada”. Essa mesma palavra muitas vezes está presente no universo das doenças psiquiátricas. No lugar da marca de ferro, relegamos preconceito, falta de informação e tratamentos precários a pessoas que sofrem de depressão, ansiedade, transtorno bipolar e outros transtornos mentais graves.
Achar que a manifestação de um transtorno mental é “frescura” está relacionado a um ideal de felicidade que não é igual para todo mundo. A tentativa de se encaixar nesse modelo cria distância dos sentimentos reais, e quem os demonstra é rotulado, o que progressivamente dificulta a interação social. É aqui que redes sociais de enorme popularidade mostram uma face cruel, desempenhando um papel de validação da vida perfeita e criando um ambiente em que tudo deve ser mostrado em seu melhor ângulo. Fora dos holofotes da internet, porém, transtornos mentais mostram-se mais presentes do que se imagina.
http://www.abrata.org.br. Acesso em: 27 jul. 2020 (adaptado).
TEXTO III
PROPOSTA DE REDAÇÃO
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija um texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
Análise da proposta
A proposta de redação do ENEM colocou em discussão, nesta edição de 2020, um tema de grande relevância do ponto de vista da promoção dos direitos humanos e do acesso à cidadania no país. Ao solicitar que os candidatos elaborassem um texto dissertativo-argumentativo sobre a estigmatização de doenças mentais no Brasil, a banca privilegiou uma problemática relacionada tanto à saúde pública, campo que tem sido objeto de preocupações crescentes das sociedades contemporâneas, quanto à importância do combate aos preconceitos como forma de garantia da dignidade humana.
O Texto I da coletânea corresponde a uma publicação disponível no site do Ministério da Saúde que apresenta uma ampla definição sobre saúde mental. Segundo o excerto, ser saudável mentalmente envolve questões como ser capaz de lidar com frustrações, vivenciar diferentes emoções e enfrentar desafios inerentes à vida, bem como procurar ajuda quando surgem dificuldades nesses processos. Além disso, o trecho afirma que todos estão sujeitos ao sofrimento psíquico. Tais concepções deveriam ser levadas em consideração, de modo a se evitarem definições muito específicas sobre saúde e doenças mentais.
O Texto II, por sua vez, apresenta uma detalhada definição do conceito de “estigma”, palavra-chave fundamental ao desenvolvimento do recorte temático proposto pela banca. Segundo o excerto, as origens do termo remontam às ideias de “cicatrizes” ou “marcas” deixadas por feridas ou castigos físicos infringidos a pessoas de alguma forma marginalizadas. No contexto desta prova, o termo se relaciona a formas de “marcar” e excluir socialmente quem sofre de transtornos mentais. Entre os fatores sociais que levam à estigmatização dessas pessoas, destaca-se o imperativo de felicidade difundido nas redes sociais digitais. Assim, o indivíduo “marcado” passa a ser sistematicamente desvalorizado e excluído socialmente.
Por fim, o Texto III – um infográfico – apresenta dados sobre a incidência de depressão no Brasil e no mundo. Os números mostram que o Brasil é o quarto país em casos da doença na América Latina e evidenciam que mulheres são acometidas por quadros depressivos 30% mais do que homens. Além disso, o texto informa sobre os prejuízos econômicos decorrentes de transtornos mentais e os impactos da depressão em termos de afastamentos do trabalho no mundo. Todas essas informações delineiam a depressão como um dos transtornos mentais que acometem a sociedade contemporânea – mas é preciso cuidado para não restringir o desenvolvimento da redação apenas ao caso dessa doença.
Encaminhamentos possíveis
Seria possível apontar, entre outras possibilidades, os seguintes encaminhamentos:
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As “marcas” relacionadas à estigmatização da doença mental podem ser associadas à existência de estereótipos presentes em nossa cultura sobre a pessoa que sofre desse tipo de transtorno. Alguns estereótipos comuns associam a doença mental à “preguiça”, a “caprichos pessoais”, a “falhas de caráter” e à “falta de vontade”, por parte do indivíduo, em “melhorar”;
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A maior incidência da depressão entre mulheres evidencia que o recorte de gênero constitui um fator decisivo para se compreender quem são as pessoas mais vitimadas pela estigmatização da doença mental. Nesse sentido, a existência de pressões seletivas (como o fato de a maior parte das responsabilidades domésticas e de cuidado ainda ser associada ao universo feminino, por exemplo) pode reforçar o estigma associado à doença mental, já que mulheres que não conseguem lidar com o acúmulo de tarefas devido a problemas psíquicos podem ser vistas como “preguiçosas”;
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Outro fator que evidencia a relevância e atualidade do tema e poderia ser discutido pelo candidato diz respeito aos recentes retrocessos em termos das políticas públicas voltadas à assistência e inclusão de pessoas que sofrem com doença mental no Brasil. Um exemplo é o risco de revogação, pelo governo federal, de portarias sobre saúde mental e o consequente encerramento de diferentes programas do SUS (Sistema Único de Saúde), como anunciado em dezembro de 2020;
Entre as causas da estigmatização da doença mental no Brasil, pode-se citar:
a) A falta de visibilidade conferida a transtornos mentais, que recebem atenção da sociedade apenas em momentos pontuais, como no caso das campanhas publicizadas em virtude do “setembro amarelo”, mês de conscientização sobre o suicídio;
b) Uma herança da situação manicomial, marcada pela segregação do indivíduo considerado “louco”. Nesse sentido, como possibilidade de repertório autoral, o candidato poderia estabelecer um paralelo entre a estigmatização contemporânea da doença mental e a exclusão da loucura que, conforme descrita pelo filósofo Michel Foucault, marca a passagem para a modernidade;
c) A falta de informação qualificada sobre doenças mentais, problema agravado no atual contexto de desinformação generalizada, pós-verdade e disseminação de “fake news”;
d) A espetacularização da felicidade em redes sociais digitais, em que proliferam discursos de valorização da “positividade” na era dos “coaches”, fator que pode levar à culpabilização e desvalorização dos indivíduos que não conseguem se encaixar nos “padrões” propagados;
e) A ideologia de produtivismo do mundo do trabalho, questão que leva à desvalorização daqueles indivíduos que, devido a doenças mentais (como a depressão), não conseguem alcançar os níveis de sucesso exigidos;
Entre os efeitos da estigmatização da doença mental no Brasil, pode-se citar:
a) Falta de percepção, pela própria pessoa que sofre com algum transtorno, acerca da seriedade de seu caso, o que pode levá-la a não buscar ajuda especializada;
b) Potencial de agravamento de quadros de desordem mental e surgimento de transtornos associados, já que as pessoas que sofrem desse mal terão que lidar também com a exclusão, discriminação e, eventualmente, com a autoculpabilização pelos sofrimentos psíquicos vivenciados;
c) Geração de situações de “violência simbólica” contra indivíduos que sofrem de transtornos mentais, em um paralelo possível com o conceito proposto pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Isso porque, com a estigmatização, pessoas que vivenciam esse tipo de doença seriam incapazes de perceber a condição de discriminação em que são colocadas, já que perceberiam esse tipo de exclusão como “legítima” e “justificada”;
d) Ausência de cobrança, por parte da sociedade civil, de políticas públicas voltadas à assistência de pessoas que sofrem com doença mental, o que pode levar, também, a uma maior negligência por parte do Estado;
- Considerando que, para a prova de redação do ENEM, o candidato deve apresentar proposta de intervenção que respeite os direitos humanos, algumas possibilidades de medidas interventivas incluem, por exemplo: a ampliação do atendimento assistencial para pessoas que sofrem com transtornos mentais; campanhas de promoção da visibilidade das doenças mentais no Brasil, voltadas a um público amplo, especialmente em veículos midiáticos; educação escolar para superar a desinformação sobre o tema. Entre os atores sociais responsáveis pela implantação de tais propostas de intervenção, destacam-se o Ministério de Saúde; o SUS; os Conselhos Federais de Medicina e Psicologia; a sociedade civil como um todo; comunicadores e influenciadores digitais.
- Considerando que a incorporação de repertório legitimado e autoral (ou seja, externo à coletânea) é fundamental na prova de redação do ENEM, o candidato poderia fazer referência, por exemplo, a produções audiovisuais pertinentes ao tema, tais como:
a) A série “13 Reasons Why” (2017), produzida para streaming, que aborda a questão do suicídio entre jovens;
b) A série televisa “Família Soprano” (1999), cujo protagonista, um chefe da máfia de Nova Jersey, sofre com crises de pânico e, ao procurar ajuda terapêutica, passa a ser ridicularizado por amigos e familiares;
c) O filme “Coringa” (2019), que ilustra, a partir da trajetória do protagonista, a estigmatização de que sofrem pessoas portadoras de transtornos mentais;
d) O filme “Um estranho no ninho” (1975), que mostra as opressões inerentes ao sistema manicomial e a exclusão daqueles considerados “loucos”.