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Texto para a questão:

Psicanálise do açúcar

O açúcar cristal, ou açúcar de usina, 
mostra a mais instável das brancuras: 
quem do Recife sabe direito o quanto, 
e o pouco desse quanto, que ela dura. 
Sabe o mínimo do pouco que o cristal 
se estabiliza cristal sobre o açúcar, 
por cima do fundo antigo, de mascavo, 
do mascavo barrento que se incuba; 
e sabe que tudo pode romper o mínimo 
em que o cristal é capaz de censura: 
pois o tal fundo mascavo logo aflora 
quer inverno ou verão mele o açúcar.

Só os banguês* que-ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura; 
a usina já não o purga: da infância, 
não de depois de adulto, ela o educa; 
em enfermarias, com vácuos e turbinas, 
em mãos de metal de gente indústria, 
a usina o leva a sublimar em cristal 
o pardo do xarope
: não o purga, cura. 
Mas como a cana se cria ainda hoje, 
em mãos de barro de gente agricultura, 
o barrento da pré-infância logo aflora 
quer inverno ou verão mele o açúcar.

João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.

*banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força animal.



Os últimos quatro versos do poema rompem com a série de contrapontos entre a usina e o banguê, pois

  • a

    negam haver diferença química entre o açúcar cristal e o açúcar mascavo.

  • b

    esclarecem que a aparência do açúcar varia com a espécie de cana cultivada.

  • c

    revelam que na base de toda empresa açucareira está o trabalhador rural.

  • d

    denunciam a exploração do trabalho infantil nos canaviais nordestinos.

  • e

    explicam que a estação do ano define em qualquer processo o tipo de açúcar.

Em "Psicanálise do açúcar", o eu lírico toma esse produto da cana (tão crucial na história do Nordeste e em particular, de Pernambuco) como base de uma comparação crítica entre uma sociedade a se modernizar e uma sociedade tradicional. Nesses termos, o "açúcar de usina" representa um processo de produção em que predominariam as máquinas ("vácuos e turbinas, / em mãos de metal de gente indústria"), enquanto o açúcar dos banguês traz as marcas de um processo mais rústico ("o açúcar bruto com barro, de mistura").

No final do poema, adiciona-se outra camada da comparação. Os últimos versos falam de quando o açúcar "mela", revelando o "fundo mascavo", ou "o barrento da pré-infância", que parecia se esconder na forma do "cristal". Em outras palavras, mesmo quando o açúcar passa por um processo ultratecnológico de processamento, algo de sua natureza mais profunda se revela (por isso, a menção à psicanálise, que quer revelar os aspectos inconscientes dos sujeitos analisados). Esse algo é justamente a presença do trabalho humano ("a cana se cria ainda hoje, / em mãos de barro de gente agricultura"), que a mecanização pode esconder, mas não eliminar. Assim, o poema se afasta dos elogios acríticos à modernidade, tantas vezes excludente e desigual, e se aproxima de uma valorização do trabalhador humilde, como é frequente na poesia de João Cabral de Melo Neto.

Portanto, a alternativa correta só pode ser a que diz que o final do texto rompe com os contrapontos ao explicitar que "na base de toda empresa açucareira está o trabalhador rural".