Rubião fitava a enseada, - eram oito horas da manhã Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, a janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta, mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as chinelas sumas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu, e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade.
- Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo, de modo que o que parecia uma desgraça...
Machado de Assis, Quincas Borba.
O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresenta ao leitor um elemento que será fundamental na construção do romance:
O romance Quincas Borba apresenta uma visão tragicômica da realidade. Machado constrói uma relação com o seu leitor de modo que este se compadeça com a desgraça de Rubião e, ao mesmo tempo, seja capaz de apreciar o que existe de risível na trajetória do protagonista do romance. A construção dessa visão está intimamente ligada à enunciação do romance: o narrador ora adota uma postura que propõe a proximidade e o compadecimento para evidenciar a dimensão trágica, ora sugere uma distância e falta de comoção para criar a dimensão cômica. No primeiro capítulo, o trágico se dá por meio da morte da irmã do protagonista e do filósofo Quincas Borba; o cômico se constrói pelo fato de Rubião acreditar que a morte de ambos foi vantajosa para ele.