À garrafa

Contigo adquiro a astúcia
de conter e de conter-me.
Teu estreito gargalo
é uma lição de angústia.

Por translúcida pões
o dentro fora e o fora dentro
para que a forma se cumpra
e o espaço ressoe.

Até que, farta da constante
prisão da forma, saltes
da mão para o chão
e te estilhaces, suicida,

numa explosão
de diamantes.

PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

A reflexão acerca do fazer poético é um dos mais marcantes atributos da produção literária contemporânea, que, no poema de José Paulo Paes, se expressa por um(a) 

  • a

    reconhecimento, pelo eu lírico, de suas limitações no processo criativo, manifesto na expressão “Por translúcida pões”.

  • b

    subserviência aos princípios do rigor formal e dos cuidados com a precisão metafórica, como se observa em “prisão da forma”. 

  • c

    visão progressivamente pessimista, em face da impossibilidade da criação poética, conforme expressa o verso “e te estilhaces, suicida”. 

  • d

     processo de contenção, amadurecimento e transformação da palavra, representado pelos versos “numa explosão / de diamantes”.

  • e

    necessidade premente de libertação da prisão representada pela poesia, simbolicamente comparada à “garrafa” a ser “estilhaçada”. 

O texto de José Paulo Paes trata da criação poética, na medida em que se revela no primeiro verso que o poeta aprende com as características da garrafa a “astúcia/de conter e de conter-me”. Tal atitude pode ser associada a exigências de elaboração formal, como a métrica e a rima. Contudo, essa postura evolui rumo à superação do que o texto chama de “prisão da forma”, pois, assim como a garrafa se estilhaça numa “explosão/de diamantes”, o verso poderá procurar formas mais livres de expressão.