TEXTO 1

A tributação – isto é, o pagamento em dinheiro exigido pelo Estado – muitas vezes é vista por uma parcela da sociedade como uma forma de exploração estatal dissociada de qualquer sentido social, o que, indubitavelmente, contribui para o crescimento de sentimentos de rejeição atrelados à figura do Estado e ao pagamento do tributo em si. Todavia, deve-se considerar que a manutenção da estrutura estatal é custosa, custo ainda mais justificado quando consideradas as dimensões continentais do Estado brasileiro.

Além disso, hoje a tributação é um dos maiores instrumentos de justiça social e de atingimento dos interesses da sociedade, como o fomento de direitos sociais, econômicos e culturais. Como bem analisa Luciano Amaro, tributarista, a Constituição brasileira muitas vezes caracteriza as contribuições feitas pelos cidadãos ao Estado pela sua destinação, isto é, são ingressos de dinheiro direcionados a instrumentar ou financiar a atuação da União no setor da ordem social, como custear os serviços relacionados à saúde, à previdência e à assistência social. Assim, as contribuições das pessoas visam assegurar, por meio do custeio, direitos constitucionais relacionados à ordem social, sendo uma espécie tributária extremamente importante para toda a sociedade.

(Caio C. A. Martins. “A importância da tributação como instrumento de atendimento aos interesses da sociedade”.
www.conteudojuridico.com.br, 16.05.2016. Adaptado.)

TEXTO 2

A estrutura tributária brasileira hoje é composta de dois tipos de tributos: a) os impostos diretos, que incidem sobre renda e patrimônio; e b) os impostos indiretos, que recaem sobre o consumo. O nosso sistema tributário é regressivo porque ele taxa mais o consumo e menos o patrimônio.

Apesar de as pessoas pagarem a mesma taxa de impostos ao adquirirem mercadorias e contratarem serviços, essa taxa pesa de forma muito diferente no bolso dos indivíduos. Por exemplo, um executivo de empresa que ganha R$ 9.998 por mês e compra um fogão que custa R$ 280, dos quais R$ 99,98 correspondem a impostos indiretos, compromete 1% do seu salário em imposto. Já uma empregada doméstica que ganha R$ 998 reais, pelo mesmo fogão, dispenderá 10% do seu salário em impostos.

Por isso, o problema não é que o Brasil tributa demais, é que ele tributa mal. Pune o ato de consumo e os mais pobres, enquanto desonera ou reduz as taxas dos impostos diretos e dos mais ricos. Reverter esse sistema que produz e reproduz desigualdade é uma tarefa fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

(Paulo Teixeira. “Tributar melhor para reduzir desigualdades sociais”. www.correiobraziliense.com.br, 23.09.2019. Adaptado.)

TEXTO 3

Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) com os 30 países de maior carga tributária no mundo mostrou que o Brasil tem o menor Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes). O resultado levou em conta a carga tributária de cada país: o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população. Desde que esse estudo começou a ser feito, há oito anos, o Brasil está na 30ª colocação, atrás de países como Uruguai (18º) e Argentina (19º). O Brasil é o país que menos transforma tributos em benefícios.

João Eloi Olenike, presidente executivo do IBPT, explicou por que isso acontece. Segundo ele, "o Brasil tem carga alta. Nosso país é hoje a 15ª maior carga tributária do mundo, e o IDH da nação fica entre os números 77, 78, 79 na classificação mundial". A Irlanda foi a mais bem colocada pela segunda vez. O país tem carga tributária de 22,8% – menor do que a brasileira, que é de 34,25%. "Na Irlanda, eu acho que existe efetivamente um investimento na melhoria da qualidade de vida da população, o que aqui, no Brasil, inexiste", disse Olenike.

(“Brasil é o país com o menor índice de retorno de bem-estar à sociedade; pesquisa foi feita com 30 países de maior carga
tributária no mundo”. https://g1.globo.com, 04.07.2019. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativoargumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:

TRIBUTAÇÃO NO BRASIL: ENTRE A GARANTIA DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS
E A PROMOÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL

Análise da proposta

Como já é tradição nos exames de redação da FGV-Economia, a banca solicitou que os candidatos redigissem um texto dissertativo-argumentativo, posicionando-se, neste ano, a respeito do tema Tributação no Brasil: entre a garantia de direitos constitucionais e a promoção da desigualdade social. Além dos conhecimentos pessoais sobre o assunto, os candidatos poderiam se valer dos dados e reflexões presentes nos três textos que compunham a coletânea, a fim de construir tanto um posicionamento claro quanto uma argumentação sólida.

O Texto 1, depois de definir que tributação é “o pagamento em dinheiro exigido pelo Estado”, ressalta o crescimento da rejeição social aos tributos e ao Estado, uma vez que não se percebe a relação entre a arrecadação e a destinação social desse dinheiro. Entretanto, o autor defende a tributação como “um dos maiores instrumentos de justiça social”, pois permite ao Estado financiar serviços relacionados à saúde, educação, previdência e assistência social, por exemplo. Trata-se de uma arrecadação financeira que permite o custeio de direitos constitucionais cruciais à diminuição das desigualdades socioeconômicas.

O Texto 2 explica as razões de o sistema tributário brasileiro produzir e reproduzir desigualdades, visto que, proporcionalmente à renda, tributa mais os pobres que os ricos. A estrutura tributária nacional cobra impostos sobre o consumo (impostos indiretos) e sobre renda e patrimônio (impostos diretos) e, como todos pagam a mesma taxa sobre produtos e serviços, aqueles que têm renda menor comprometem mais dela do que os mais ricos.

O Texto 3 confirma a rejeição social em relação aos tributos com a pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) com mais de 30 países. De acordo com os resultados, o Brasil fica em último lugar no Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes) e o IDH nacional oscila entre as posições 77 e 79 na classificação mundial, enquanto temos a 15ª maior carga tributária do mundo (34,25% do PIB). Em outros termos, o sistema tributário brasileiro arrecada muito, mas não converte bem o dinheiro em serviços de qualidade à população, que tem uma percepção negativa em relação ao bem-estar proporcionado pelo Estado.

Encaminhamentos possíveis

Para desenvolver sua análise, o candidato poderia aproveitar dados e ideias da coletânea, bem como lançar mão de conhecimentos a respeito da tributação no Brasil e sua relação com a política e a sociedade. Para defender cada um dos polos do tema, poderiam ser levadas em consideração as seguintes reflexões:

Para defender que a tributação no Brasil garante o atendimento de direitos constitucionais:

  • O Brasil é um país de dimensões continentais e possui uma das maiores populações do planeta, com uma desigualdade socioeconômica que remonta às suas origens coloniais. A significativa fração da população mais pobre depende da assistência direta e indireta do Estado. Esse é um cenário em que a tributação assume um papel vital para dar condições mínimas de serem atendidos direitos constitucionais. Como o Estado não fabrica dinheiro, é preciso arrecadar junto a toda a população, a fim de sustentar suas políticas públicas de saúde, educação, segurança, habitação etc.
  • Uma das premissas da Constituição Federal de 1988 foi criar um sistema de proteção social de modo a mitigar as gritantes diferenças sociais. Para financiar suas políticas, o Estado constituiu um complexo sistema de tributação partilhado entre a federação, os estados e municípios, a fim de dar suporte a um conjunto de políticas públicas que visam ao desenvolvimento econômico e social da população, como a educação e a saúde pública, universal e gratuita, bem como programas assistenciais que mais tarde se converteram em políticas de Estado, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.
  • Se a tributação do consumo pode produzir distorções ao comprometer mais a renda dos pobres que a dos ricos, por outro lado uma maior tributação da renda e do patrimônio não seria uma medida politicamente simples de ser implementada, pois pode gerar o risco de internacionalização de fortunas com o intuito de fugir ao fisco e da fuga de investimentos nacionais e internacionais, tão necessários ao desenvolvimento socioeconômico do país.
  • Por mais que se critique a qualidade dos serviços públicos como o SUS ou a educação pública, os subsídios aos transportes públicos ou o valor de aposentadorias e pensões pagas pelo INSS, é a tributação que garante o mínimo para atender às necessidades de uma quantidade enorme da população. Serviços de primeiro mundo em um país pobre e com grande quantidade de cidadãos dependentes do Estado só seriam possíveis com uma carga tributária ainda maior, com mais desigualdade resultante.
  • A arrecadação tributária fundada sobretudo no consumo está diretamente atrelada aos níveis de atividade econômica e de empregos no país. Com uma economia que oscila entre a estagnação e a recessão, e empregos que pagam uma média salarial baixa devido à precária especialização da mão de obra, a carga tributária acaba sendo alta para garantir minimamente o atendimento aos diversos direitos constitucionais fundamentais ao bem-estar.

Para defender que a tributação no Brasil é um sistema que promove desigualdade social:

  • O sistema tributário de impostos indiretos sobre bens e serviços consumidos cria e amplia desigualdades socioeconômicas, na medida em que compromete mais a renda das camadas mais pobres da população, pois a taxa é cobrada igualmente, independentemente da renda. O impacto dos impostos sobre a cesta básica e sobre os serviços essenciais, como fornecimento de água, energia elétrica e gás, por exemplo, são muito maiores sobre famílias que vivem com 1 ou 2 salários-mínimos.
  • A percepção generalizada da injustiça dos impostos no Brasil se fundamenta não só nos valores cobrados, mas também na qualidade dos serviços e nos valores pagos a título de seguridade social: educação, saúde, segurança públicas não apresentam a mesma qualidade que os mesmos serviços privados, pagos por quem tem mais renda, o que só acentua a desigualdade social em relação ao acesso a itens que proporcionam bem-estar social.
  • A corrupção endêmica, os desvios de verbas públicas destinadas à merenda escolar e à compra de ambulâncias, por exemplo, não só minam a confiança da população no retorno social dos tributos, como também gera a percepção de que eles não cumprem com a finalidade de garantir os direitos constitucionais, mas, ao contrário, se prestam ao beneficiamento privado, de indivíduos, grupos políticos ou empresariais.
  • Os tributos no Brasil não contribuem para reduzir as desigualdades socioeconômicas devido aos gastos ordinários do Estado para com o custeio da dívida pública, bem como ao tamanho da máquina estatal: parte considerável da arrecadação é consumida com a folha de pagamento de servidores ativos e aposentados, com valores muitas vezes discrepantes dos que são praticados na iniciativa privada.
  • O sistema tributário não é alterado profundamente, a despeito das desigualdades que promove, porque muitos entendem que ele, tal como se configurou no país, é uma engrenagem ativa do livre mercado: ao proporcionar serviços de qualidade aquém da desejada, abre margem para que a iniciativa privada amplie seu mercado de saúde, educação, aposentadoria, por exemplo, pelos quais as classes com mais condições pagam e aquecem a economia desses setores, aumentando ainda mais a distância em relação aos mais pobres.