Hoje fizeram o enterro de Bela. Todos na Chácara se convenceram de que ela estava morta, menos eu. Se eu pudesse não deixaria enterrá‐la ainda. Disse isso mesmo a vovó, mas ela disse que não se pode fazer assim. Bela estava igualzinha à que ela era no dia em que chegou da Formação, só um pouquinho mais magra.

Todos dizem que o sofrimento da morte é a luta da alma para se largar do corpo. Eu perguntei a vovó: “Como é que a alma dela saiu sem o menor sofrimento, sem ela fazer uma caretinha que fosse?”. Vovó disse que tudo isso é mistério, que nunca a gente pode saber essas coisas com certeza. Uns sofrem muito quando a alma se despega do corpo, outros morrem de repente sem sofrer.

Helena Morley, Minha Vida de Menina.

Perguntas

Numa incerta hora fria
perguntei ao fantasma  
que força nos prendia,  
ele a mim, que presumo
estar livre de tudo
eu a ele, gasoso,
(...)

No voo que desfere
silente e melancólico,
rumo da eternidade,
ele apenas responde
(se acaso é responder  
a mistérios, somar‐lhes  
um mistério mais alto):
Amar, depois de perder.

Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma.

As perguntas da menina e do poeta versam sobre a morte. É correto afirmar que

  • a

    ambos guardam uma dimensão transcendente e católica, de origem mineira. 

  • b

    ambos ouvem respostas que lhes esclarecem em definitivo as dúvidas existenciais. 

  • c

    a menina mostra curiosidade acerca da morte como episódio e o poeta especula o sentido filosófico da morte. 

  • d

    a menina está inquieta por conhecer o destino das almas, enquanto o poeta critica o ceticismo. 

  • e

    as duas respostas reforçam os mistérios da vida ao acolherem crenças populares.

Os dois textos escolhidos pela banca refletem a respeito da finitude da vida. Ao se deparar com a inesperada morte de Bela, Helena Morley mostra-se curiosa, ponderando sobre o episódio  em que ocorre a morte da “negra do tempo do cativeiro”. Ela questiona, sobretudo, o fato de a moça ter falecido sem sofrimentos, enquanto outras pessoas sofrem muito quando morrem. O poema “Perguntas”, de Drummond, por sua vez, especula filosoficamente sobre o mesmo tema, de modo que se observam no texto questionamentos sobre a morte de seus familiares, distantes dele durante a vida,  como se nota em: “perguntei ao fantasma / que força nos prendia” e “Amar, depois de perder”, ao tentar recuperar o amor familiar na ausência destes.