Agora, o Manuel Fulô, este, sim! Um sujeito pingadinho, quase menino – “pepino que encorujou desde pequeno” – cara de bobo de fazenda, do segundo tipo –; porque toda fazenda tem o seu bobo, que é, ou um velhote baixote, de barba rara no queixo, ou um eterno rapazola, meio surdo, gago, glabro* e alvar**. Mas gostava de fechar a cara e roncar voz, todo enfarruscado, para mostrar brabeza, e só por descuido sorria, um sorriso manhoso de dono de hotel. E, em suas feições de caburé*** insalubre, amigavam‐se as marcas do sangue aimoré e do gálico herdado: cabelo preto, corrido, que boi lambeu; dentes de fio em meia‐lua; malares pontudos; lobo da orelha aderente; testa curta, fugidia; olhinhos de viés e nariz peba, mongol.
Guimarães Rosa, “Corpo fechado”, de Sagarana.
*sem pelos, sem barba **tolo ***mestiço
O retrato de Manuel Fulô, tal como aparece no fragmento, permite afirmar que
Manuel Fulô, personagem do conto “Corpo fechado”, é retratado de forma a colocar em destaque a sua mestiçagem: “caburé”, “sangue aimoré” e “gálico” e nariz “mongol”. O caráter mestiço da personagem se manifesta no estilo da obra, igualmente marcado por misturas culturais, na convivência entre saberes urbanos e sertanejos, como no conto “Minha gente”. O próprio trecho do conto “Corpo fechado”, transcrito na questão, traz marcas de um discurso erudito e elaborado,como se vê em termos como “glabro” e “alvar”, junto a expressões de caráter popular, como “pingadinho” e “brabeza”.