Texto I

“Menino do Rio” (Caetano Veloso, Cinema Transcendental, 1979.)

Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção corpo aberto no espaço
Coração, de eterno flerte
Adoro ver-te
(...)
O Havaí, seja aqui
Tudo o que sonhares
Todos os lugares
As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo
Eu desejo o teu desejo

Texto II

“Haiti” (Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.)

(...)
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase
todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos
de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como
se tratam os pretos
(...)
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

(Disponível em http://www.caetanoveloso.com.br/. Acessado em 12/10/2019.)

  • Havaí é uma ilha do Pacífico, um Estado norte-americano conhecido pelo turismo e por suas praias paradisíacas que atraem surfistas do mundo inteiro.
  • Haiti é uma ilha do Caribe, atualmente sob intervenção da ONU; é o país mais pobre das Américas, com mais de 60% da população subnutrida.

a) O verso “O Havaí, seja aqui” (texto I), de Caetano Veloso, e o verso “O Haiti é aqui” (texto II), de Caetano e Gilberto Gil, refletem diferentes posições em relação aos lugares a que se referem. Explique como o uso do verbo “ser” define cada uma dessas posições.

b) Explicite as duas visões dos compositores ao dizerem: “O Haiti é aqui” / “O Haiti não é aqui” (texto II).

a) O verbo “ser”, em ambos os versos, correlaciona um local tomado como referência (“Havaí” e “Haiti”) e o espaço ocupado pelo eu lírico (“aqui”).
Na canção Menino do Rio, a forma do subjuntivo (“seja”) atribui valor volitivo ao enunciado, indicando o desejo de que o estado de coisas vivenciado pelo eu lírico seja semelhante ao que se experimenta no Havaí, famosa ilha paradisíaca do Pacífico. 
Diferentemente disso, a forma verbal utilizada em “Haiti” (“é”) está flexionada no modo indicativo, aproximando as dificuldades brasileiras e as mazelas enfrentadas pelos cidadãos haitianos.
Desse modo, o uso do verbo “ser” contribui decisivamente para construir uma posição de elogio ao Havaí na canção de Caetano Veloso e uma visão depreciativa sobre o Haiti na letra de Caetano e Gilberto Gil.

b) Os versos em questão comparam o Brasil à ilha caribenha, explorando relações de semelhança e contraste entre as nações.
Para tornar explícita a relação de semelhança (“O Haiti é aqui”), devem-se observar dois elementos: o primeiro é que a população haitiana é formada majoritariamente por descendentes dos povos escravizados; o segundo é que, no fragmento dado, aborda-se o tema do racismo. Na letra, a conivência da opinião pública (“silêncio sorridente de São Paulo”) diante do massacre de “presos indefesos” se justifica pela origem étnica e social dos detentos, já que são “quase todos pretos” e, mesmo os brancos, “são quase pretos de tão pobres”.
Já a relação de contraste se pode inferir considerando que, ao contrário do Haiti, o Brasil não é uma nação empobrecida: enquanto o Haiti é o país mais pobre das Américas, o Brasil está entre as maiores economias mundiais, integrando o G20 e sendo uma importante liderança regional. Tendo isso em mente, o verso “O Haiti não é aqui” assume um tom de protesto, sugerindo que, com condições extremamente mais favoráveis, é ainda mais condenável que a realidade brasileira seja comparável à haitiana.