Voltou à moda o velho “faça você mesmo” ou bricolagem. A ideia de que às vezes é melhor trabalhar com a mão na massa, engajando os cidadãos, se tornou uma metáfora para práticas pedagógicas, ações políticas, retórica empreendedora. Mas poucos usam, no Brasil, o termo que melhor representa essa potência criativa de que as pessoas são capazes: gambiarra. Palavra menos nobre, gambiarra existe, no Brasil e em outros países de língua portuguesa, quase sempre como um termo popular, dialetal ou depreciativo. Porque é um faça-você-mesmo rebelde que recombina peças já existentes, no interior de regras dadas, para inventar novas funções e afirmar novas regras. Escolhi cinco livros que mostram as gambiarras em ação, entre eles, A invenção do cotidiano: Artes de fazer, de Michel de Certeau. Nesse livro, o historiador e teólogo francês apresenta um estudo analítico e um elogio político da criatividade do “cidadão comum”. Ao traçar uma distinção entre estratégias (as regras do jogo formuladas pelos que têm o poder de estabelecer regras) e táticas (os gestos, ações, invenções dos subjugados, que tentam lidar com as regras, mas também achar um jeitinho de driblá-las), Certeau revela as gambiarras que fazem com que o cotidiano se invente e reinvente.
(Adaptado de Yurij Castelfranchi, Livros para imaginar, apreciar e fazer gambiarras. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/estante/favoritos/2019/5-livros-para-imaginar-apre ciar-e-fazer-gambiarras. Acessado em 10/08/2019.)
a) Explique por que a gambiarra é, ao mesmo tempo, indisciplinada e criativa.
b) Segundo Castelfranchi, como Michel de Certeau associa a ideia de gambiarra às ações políticas do cidadão comum? Responda com base em dois exemplos citados no texto.
a) Segundo o texto, a gambiarra é indisciplinada por ser um “faça-você-mesmo” rebelde, em que a pessoa parte de peças já existentes e as combina de uma nova maneira, rompendo as regras dadas para criar novas funções e, com isso, “afirmar novas regras”. Esse ato de rebeldia envolve também o exercício de criatividade, já que exige a criação de combinações novas a partir de elementos já dados.
b) Segundo Castelfranchi, Michel de Certeau promove um “elogio político” da criatividade do cidadão. Para isso, vale-se da distinção entre “estratégias” e “táticas”. Para ele, “estratégias” são as regras políticas estabelecidas por aqueles que exercem o poder; já as “táticas” são “gestos”, “ações” e “invenções” dos subjugados que, no ato mesmo de lidar com as regras, procuram evitá-las ou subvertê-las. Nesse sentido, as gambiarras na política seriam “táticas” com que os subjugados enfrentam as “estratégias”, reinventando seu cotidiano.