Texto I
(...) Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no início da rua Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão aplaudindo este meu gesto de amor a minha Pátria. (...) Toquei o carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse: “Ri criança. A vida é bela”. Só se a vida era boa naquele tempo. Porque agora a época está apropriada para dizer: “Chora criança. A vida é amarga”.
(Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2014, p. 35-36.)
Texto II
RISOS
Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!
A vida é triste ̶ quem nega?
̶ Nem vale a pena dizê-lo.
Deus a parte entre seus dedos
Qual um fio de cabelo!
Como o dia, a nossa vida
Na aurora ̶ é toda venturas,
De tarde ̶ doce tristeza,
De noite ̶ sombras escuras!
A velhice tem gemidos,
̶ A dor das visões passadas ̶
̶ A mocidade ̶ queixumes,
Só a infância tem risadas!
Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!
(Casemiro J. M. de Abreu, As primaveras. Rio de Janeiro: Tipografia de Paula Brito,1859, p. 237-238.)
a) Nas três linhas iniciais do texto I, a autora estabelece uma relação entre o sujeito da ação e o espaço em que ele se encontra. Mencione e explique dois recursos poéticos que compõem a cena narrativa.
b) A representação da infância no texto I se aproxima e, ao mesmo tempo, difere daquela que se encontra no texto II. Considerando que o texto I é um excerto do diário de Carolina Maria de Jesus e o texto II é um poema romântico, identifique e explique essa diferença na representação da infância, com base nos períodos literários.
a) Maria Carolina de Jesus, ainda que escreva em prosa, faz uso de recursos típicos da poesia ao narrar o momento destacado no texto, em que observa o espaço a sua volta. O recurso mais evidente é a presença da rima entre as duas primeiras orações “anil” e “Brasil”. Além disso, o trecho também evidencia o uso de figuras como a metáfora em “meu olhar posou” e a personificação em “elas estão aplaudindo” para se referir ao movimento das folhas de uma árvore.
b) Quarto de despejo é uma obra de literatura contemporânea escrita por uma ex-catadora de lixo, e o poema de Casemiro de Abreu pertence ao Romantismo brasileiro. No poema, a perspectiva em que a infância é abordada é de idealização. Ao mencionar a infância, o eu poético refere-se a ela como o único período em que é possível desfrutar de alguma alegria, uma vez que, com o amadurecimento, vêm as tristezas e as sombras, concepção tipicamente romântica. No diário de Carolina Maria de Jesus, não há a mesma percepção. O texto faz um retrato mais cru da realidade em que a obra se desenvolve, como é comum no período em que o livro foi publicado (1960). A narradora afirma que “a vida é amarga” e recomenda, inclusive estabelecendo uma relação intertextual com o poema, que sua filha Vera continue a sorrir, já que não percebe ainda os motivos que tem para chorar.