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Para responder à questão, leia o excerto do romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto.

Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidão que jorrava das portas da Central, cheia da honesta pressa de quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava numa cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus amores; no subúrbio, tinha os seus companheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha personalidade, era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles “caras” todos, que nem o olhavam. [...]

Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade, diante daqueles rapazes a conversar sobre coisas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da sofreguidão com que liam os placards1 dos jornais, tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e princesas, tal e qual o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, de atitudes apuradas, de hábitos de polidez e urbanidade, de franqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase coisa alguma.

(Clara dos Anjos, 2012.)

1placards: nome que se dava às tabuletas que traziam resultados de competições esportivas, publicados nos jornais.



a) “no meio da multidão que jorrava das portas da Central, cheia da honesta pressa de quem vai trabalhar” (1º parágrafo).

Identifique as figuras de linguagem utilizadas pelo narrador nas expressões sublinhadas.

b) Reescreva o trecho “lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar” (2º parágrafo), empregando a ordem direta e adequando-o à norma-padrão da língua escrita.

a) No primeiro caso, há uma metáfora. Já no segundo caso, há mais de uma possibilidade de resposta: personificação (prosopopeia), hipálage ou hipérbato (inversão).
Observação: ao afirmar que a multidão “jorrava”, explora-se o traço de semelhança entre a intensidade com que pessoas deixavam a estação e a intensidade com que líquidos eventualmente podem ser expelidos.
Já em “honesta pressa” atribui-se uma característica humana, a honestidade, ao substantivo abstrato “pressa”, daí a personificação (ou prosopopeia). Há também hipálage, que é uma figura pela qual se atribui a certas palavras de uma frase o que convém logicamente a outras da mesma frase; no caso, atribui-se o traço de honestidade à “pressa”, quando esse traço convém à “multidão”. Por fim, há também um hipérbato (ou inversão), por conta da anteposição do adjetivo em relação ao substantivo.

b) Reescrevendo, tem-se: “Lembrava-se de que nem mesmo sabia pronunciar o nome delas.”
Observação: o verbo “lembrar”, quando pronominal, é transitivo indireto e rege a preposição “de”.