Essa lua enlutada, esse desassossego
A convulsão de dentro, ilharga
Dentro da solidão, corpo morrendo
Tudo isso te devo.
E eram tão vastas
As coisas planejadas, navios,
Muralhas de marfim, palavras largas
Consentimento sempre.
E seria dezembro.
Um cavalo de jade sob as águas
Dupla transparência, fio suspenso
Todas essas coisas na ponta dos teus dedos
E tudo se desfez no pórtico do tempo
Em lívido silêncio.
Umas manhãs de vidro
Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo

Também isso te devo.

HILST, H. Júbilo, memória, noviciado da paixão
 São Paulo: Cia. das Letras, 2018.

No poema, o eu lírico faz um inventário de estados passados espelhados no presente. Nesse processo, aflora o 

  • a

    cuidado em apagar da memória os restos do amor.

  • b

    amadurecimento revestido de ironia e desapego.

  • c

    mosaico de alegrias formado seletivamente.

  • d

    desejo reprimido convertido em delírio.

  • e

    arrependimento dos erros cometidos.

Segundo o dicionário Houaiss, o vocábulo "desapego" significa, em uma de suas acepções, “a qualidade ou estado de pessoa desapegada, que revela desamor por alguém”. No poema de Hilda Hilst, nota-se um amadurecimento do eu-poemático a partir do “inventário de estados passados espelhados no presente” e do desapego amoroso. Ao comparar o passado de felicidades e projetos com o presente de “desassossego”, evidencia-se a separação e o abandono de projetos do casal. Além disso, nota-se uma ironia sarcástica ao atribuir à pessoa com quem o eu-lírico se relacionava o rompimento dos planos projetados, como se nota em “também isso te devo”.