Considere o trecho do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois...? A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; e era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, — devoção, ou talvez medo; creio que medo.

(Memórias póstumas de Brás Cubas, 2008.)

a) No trecho “cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo”, os termos sublinhados constituem uma figura de linguagem. De que figura se trata? Justifique.

b) Em uma passagem do texto, está implícita uma crítica a determinado movimento literário. Identifique a passagem, o movimento literário e a respectiva característica criticada.

a) Os adjetivos “precário” e “eterno” estabelecem, no contexto, uma relação de oposição de sentido que configura uma antítese. Como os dois termos se referem simultaneamente a “feitiço” – sugerindo algo, ao mesmo tempo, inconsistente e duradouro –, podemos dizer que se trata também de um paradoxo.

b) Em “Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas (...)”, está implícita uma crítica ao excesso de idealismo e fantasia da literatura romântica, com o qual Memórias póstumas de Brás Cubas procura romper.