O xeque-mate - do persa shāh māt: o rei está morto - ocupa uma função controversa nas leis do jogo de xadrez. Trata-se de uma expressão que designa o lance final - é quando um dos reis não tem mais qualquer possibilidade de movimento. De saída, e nisso consiste o primeiro traço de ambivalência da expressão, a rigor, o rei não morre. Pode-se dizer até que o rei agoniza - mas de seu destino quase nada sabemos. Em resumo, o xeque-mate é exatamente, negando o que enuncia a expressão, o lance anterior ao que podemos chamar de morte. Diferentemente do senso comum, que vê grandeza naquele que luta até o último instante - a saber, até a morte -, o jogador de xadrez deve ter a medida de seu esforço. Saber abandonar uma partida no momento certo, portanto, é uma demonstração de domínio da própria derrota. A morte, por jamais tornar-se concreta, fica sendo pura potência. Talvez seja este caráter inacabado - o jogo acaba sempre antes de acabar - que concede, afinal, ao jogo de xadrez, na forma de rito, a possibilidade de um eterno recomeçar.

(Adaptado de Victor da Rosa, “Xeque-mate”. Disponível em http://culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/xequemate.html. Acessado em 04/09/2018.)

a) Victor da Rosa afirma que há uma ambivalência na expressão “xeque-mate”. Explique-a.

b) Explique, com dois argumentos, por que a posição do autor quanto à grandeza do jogo de xadrez contraria o senso comum.

a) Sob o ponto de vista literal, associado ao sentido original persa (“o rei está morto”), a expressão “xeque-mate” dá nome ao lance final de uma partida de xadrez: trata-se da derrota de um dos reis, metaforizada na ideia de “morte”. O autor do texto destaca, entretanto, que essa expressão, na prática, não equivale à morte do rei no jogo. Trata-se de um comunicado ao outro jogador de que não há mais possibilidades de o rei se movimentar no tabuleiro, cercado que foi pelo oponente: “o xeque-mate é, negando o que enuncia a expressão, o lance anterior ao que podemos chamar de morte”.

b) Para o autor, o senso comum vê grandeza “naquele que luta até o último instante – a saber, até a morte”. Segundo essa concepção, o valor do combate está no aniquilamento do oponente ou na luta pela sobrevivência, mesmo quando infrutífera. De maneira diferente, o xadrez valoriza a identificação do momento adequado de se abandonar o jogo, o que demonstra dos jogadores o domínio da própria derrota. Outro argumento em favor da grandeza do jogo é a possibilidade de um eterno recomeçar, uma vez que a partida termina sempre antes da morte do rei vencido. Afinal, sob o ponto de vista da narrativa característica do jogo, o rei, embora vencido, não está morto.