Considere os textos para responder às questões.
Cap. XI O menino é pai do homem
Sim, meu pai adoravame. Tinhame esse amor sem mérito, que é um simples e forte impulso da carne; amor que a razão não contrasta nem rege. Minha mãe era uma senhora fraca, de pouco cérebro e muito coração, assaz crédula, sinceramente piedosa, caseira, apesar de bonita, e modesta, apesar de abastada; temente às trovoadas e ao marido. O marido era na Terra o seu deus. Da colaboração dessas duas criaturas nasceu a minha educação, que, se tinha alguma coisa boa, era no geral viciosa, incompleta, e, em partes, negativa.
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Quarta-feira, 10 de julho.
Meu pai é muito querido na família. Todos gostam dele e dizem que é muito bom marido e um homem muito bom. Eu gosto muito disso, mas fico admirada de todo mundo só falar que meu pai é bom marido e nunca ninguém dizer que mamãe é boa mulher. No entanto, no fundo do meu coração, eu acho que só Nossa Senhora pode ser melhor que mamãe.
Helena Morley, Minha vida de menina.
a) Os trechos acima se assemelham por serem retratos dos pais realizados por seus filhos: no primeiro deles, o menino Brás Cubas; no segundo, a pequena Helena. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta com base nos tempos verbais e na linguagem empregada em cada um deles.
b) Nos trechos acima, as expressões “O marido era na Terra o seu deus” e “só Nossa Senhora pode ser melhor que mamãe” dão, respectivamente, exemplos de duas formas contrastantes de organização familiar, o patriarcado e o matriarcado. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta com base em ambas as passagens.
a) A afirmação é incorreta. O primeiro texto é narrado por um homem adulto que analisa suas experiências e memórias de vida. Ao realizar tal análise, o narrador utiliza verbos flexionados no passado e uma linguagem bastante sofisticada que se constrói pela colocação pronominal (“adorava-me”, “tinha-me”), conceitos elaborados “amor que a razão não contrasta nem rege” e pelo uso de termos como “assaz”. O segundo texto, por sua vez, apresenta um retrato do momento presente da menina Helena Morley, uma vez que foi extraído do diário escrito por ela. Além disso, a autora faz uso de uma linguagem mais simples e coloquial (“mamãe”), com repetição de expressões (“muito bom”) e o emprego de períodos mais curtos.
b) A afirmação é incorreta. Em ambas as obras, nota-se a forte presença do patriarcado no retrato da organização familiar. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o pai é evidenciado como figura central da família (“O marido era na Terra o seu Deus”), diante de uma esposa descrita como “fraca, de pouco cérebro e muito coração”. Em Minha Vida de Menina, apesar da existência da figura da avó materna (D. Teodora) que concentra grandes poderes e grande riqueza, a opinião pública acerca da família é bastante próxima do pensamento patriarcal, como se nota em “fico admirada de todo mundo só falar que meu pai é bom marido e nunca ninguém dizer que mamãe é boa mulher”.