Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo pessoal
Adeus

Meu caro amigo. Chico Buarque e Francis Hime, 1976.

a) Levando em conta o período histórico em que a letra da música foi composta, justifique o uso do plural no terceiro verso.

b) A letra da canção apresenta características de qual gênero discursivo? Aponte duas dessas características.

a) No contexto, o uso do plural em “Se me permitem” configura um caso de indeterminação do sujeito, que consiste em um recurso usado pelo eu lírico para não precisar explicitar o responsável por essa permissão. Uma hipótese para o emprego do verbo permitir no plural é a canção ter sido feita durante a ditadura civil-militar brasileira (que começou em 1964 e se intensificou depois do AI-5 em 1968), caracterizada por perseguir quem defendia ideias contrárias ao regime autoritário: na época, músicas, filmes, peças de teatro, livros, reportagens jornalísticas, programas de rádio e de televisão foram censurados. Assim, ao dizer que pretende mandar notícias por um disco, o eu lírico condiciona essa ação à autorização dos agentes da repressão, que aparecem indeterminados na oração “Se me permitem”.

b) A canção “Meu caro amigo” apresenta a estrutura de uma carta. As duas características mais evidentes desse gênero são o uso do vocativo (“Meu caro amigo”) e a despedida explícita (“A Marieta manda um beijo para os seus / Um beijo na família, na Cecília e nas crianças / o Francis aproveita pra também mandar lembranças / A todo pessoal / Adeus”).