Leia o poema de Manuel Bandeira (1886-1968) para responder às questões.

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

(Libertinagem & Estrela da manhã, 1993.)

a) De que modo o fato de morar “num barracão sem número” contribui para a caracterização de João Gostoso?

b) Cite dois elementos da linguagem jornalística presentes no poema.

a) No poema, dois aspectos relativos a João Gostoso são colocados em destaque para descrevê-lo: um deles é sua profissão (“carregador de feira livre”); o outro, sua moradia (“morava no morro da Babilônia num barracão sem número”). Este último contribui para formar da personagem um retrato que remete à condição de favelado, tanto pela referência ao morro da Babilônia, local situado no Rio de Janeiro e que abriga a favela do mesmo nome, quanto pela imagem do “barracão”, moradia representativa da precariedade habitacional própria de tais espaços urbanos. Além disso, a falta de precisão do endereço (“sem número”) contribui para reforçar certa lacuna de identidade desse João Gostoso (cujo nome, por si só, já sugere a ausência de individualização precisa, na medida em que João é um nome comum, e Gostoso, apenas um apelido).

b) Em princípio, a linguagem jornalística é baseada em objetividade, clareza e simplicidade na transmissão da mensagem; por imparcialidade e isenção; e pela apresentação direta do fato, buscando responder a algumas questões básicas, como quem?, o quê?, quando?, onde? e por quê?. O poema traz alguns desses traços: a objetividade, na apresentação do fato (um homem que se suicida); a clareza e a simplicidade (na utilização de termos de compreensão imediata, sem rebuscamento); a imparcialidade (na ausência de marca subjetiva explícita); e a maior parte das referidas perguntas devidamente respondida: “João Gostoso” (quem?), “se atirou” (o quê?), “uma noite (quando?), “na Lagoa Rodrigo de Freitas” (onde?). O fato de faltar uma explicação (por quê?) permite uma leitura do poema que escapa ao rigor jornalístico, abrindo as portas para conjecturas em torno das causas dessa morte (teria sido João Gostoso levado ao suicídio por um processo de marginalização, que fazia dele, um habitante de morro, um estranho no ambiente socialmente mais refinado da Lagoa?). Além disso, essa ausência de explicação sugere a precariedade e a efemeridade da vida humana.