E grita a piranha cor de palha, irritadíssima:

– Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida‐e‐volta resolvo a questão!...

– Exagero... – diz a arraia – eu durmo na areia, de ferrão a prumo, e sempre há um descuidoso que vem se espetar.

– Pois, amigas, – murmura o gimnoto*, mole, carregando a bateria – nem quero pensar no assunto: se eu soltar três pensamentos elétricos, bate‐poço, poço em volta, até vocês duas boiarão mortas...

*peixe elétrico

Esse texto, extraído de Sagarana, de Guimarães Rosa,

  • a

    antecipa o destino funesto do ex‐militar Cassiano Gomes e do marido traído Turíbio Todo, em “Duelo”, ao qual serve como epígrafe. 

  • b

    assemelha‐se ao caráter existencial da disputa entre Brilhante, Dansador e Rodapião na novela “Conversa de Bois”. 

  • c

    reúne as três figurações do protagonista da novela “A hora e vez de Augusto Matraga”, assim denominados: Augusto Estêves, Nhô Augusto e Augusto Matraga.  

  • d

    representa o misticismo e a atmosfera de feitiçaria que envolve o preto velho João Mangalô e sua desavença com o narrador‐personagem José, em “São Marcos”.

  • e

    constitui uma das cantigas de “O burrinho Pedrês”, em que a sagacidade da boiada se sobressai à ignorância do burrinho.

A epígrafe do conto “Duelo” traz um diálogo entre a piranha e a arraia, que mostram as armas que usam para matar: a primeira usa a violência do ataque; a segunda, a paciência que faz o inimigo morrer a partir de um descuido. Essa situação pode ser relacionada à vivida por Turíbio Todo e por Cassiano Gomes. Cassiano é eficaz no uso das armas, pois pertencera ao Exército. Turíbio espera pacientemente que a doença do inimigo se manifeste. Já a ideia expressa pela fala do gimnoto, pode ser associada a Timpim Vinte e Um, o qual, inicialmente subestimado, é o único sobrevivente no duelo.