Sonetilho do falso Fernando Pessoa

Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.

Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo*,

eis‐me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.

Carlos Drummond de Andrade. Claro Enigma.

Ulisses

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo ‐ 
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá‐la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Fernando Pessoa. Mensagem

*conversa íntima entre casais.

O oxímoro é uma “figura em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir‐se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão” (HOUAISS, 2001). No poema “Sonetilho do falso Fernando Pessoa”, o emprego dessa figura de linguagem ocorre em:

  • a

    “Onde morri, existo” (L. 2). 

  • b

    “E das peles que visto / muitas há que não vi” (L. 3‐4). 

  • c

    “Desisto / de tudo quanto é misto / e que odiei ou senti” (L. 6‐8).

  • d

    “à deusa que se ri / deste nosso oaristo” (L. 10‐11). 

  • e

    “mas não sou eu, nem isto” (L. 14).

Entendendo-se “existência” como estado de se estar vivo, a afirmação feita pelo eu lírico de que ele existe no local em que morreu caracteriza um oxímoro, pois “morrer” e “continuar existindo” se excluem mutuamente.