I. Surge então a pergunta: se a fantasia funciona como realidade; se não conseguimos agir senão mutilando o nosso eu; se o que há de mais profundo em nós é no fim de contas a opinião dos outros; se estamos condenados a não atingir o que nos parece realmente valioso –, qual a diferença entre o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado? O autor passou a vida a ilustrar esta pergunta, que é modulada de maneira exemplar no primeiro e mais conhecido dos seus grandes romances de maturidade.
II. É preciso todavia lembrar que essa ligação com o problema geográfico e social só adquire significado pleno, isto é, só atua sobre o leitor, graças à elevada qualidade artística do livro. O seu autor soube transpor o ritmo mesológico para a própria estrutura da narrativa, mobilizando recursos que a fazem parecer movida pela mesma fatalidade sem saída. (...) Da consciência mortiça da personagem podem emergir os transes periódicos em que se estorce o homem esmagado pela paisagem e pelos outros homens.
Nos fragmentos I e II, aqui adaptados, o crítico Antonio Candido avalia duas obras literárias, que são, respectivamente,
O primeiro trecho refere-se a Memórias Póstumas de Brás Cubas. Em sua produção literária, Machado de Assis incorporou a análise social como uma de suas principais marcas, expondo as hipocrisias sociais do século XIX, sobretudo na oposição entre as aparências e as essências dos indivíduos, que são retratados profundamente. Além disso, o texto cita o uso da fantasia como realidade, elemento encontrado no “primeiro e mais conhecido dos seus romances de maturidade”.
No segundo trecho, Antonio Candido refere-se ao romance Vidas Secas. Nessa obra, Graciliano Ramos transpõe o “ritmo mesológico para própria estrutura da narrativa”. A obra é marcada pelo uso de poucos adjetivos, por uma linguagem seca e cortante e pelo retrato da miséria e da pobreza da família através da exposição da rotina lenta e repetitiva na qual os indivíduos estão inseridos. Tais elementos evidenciam as opressões experimentadas por Fabiano, que acaba “esmagado pela paisagem e pelos outros homens”.