Leia os textos para fazer sua redação.
As obras de arte assumem a função da representação da cultura de um povo desde os tempos mais remotos da história das civilizações. É através delas que o ser humano transmite uma ideia ou expressão sensível. Contudo algumas obras de arte fogem do conceito de retratação do belo e do sensível, parecendo terem sido feitas para chocar e causar polêmicas.
A principal obra do escultor inglês contemporâneo Marc Quinn é uma réplica de sua cabeça feita com cerca de 4,5 litros de seu próprio sangue – extraído ao longo de cinco meses. Uma peça nova é feita a cada cinco anos, e elas ficam armazenadas em um recipiente de refrigeração especialmente desenvolvido para elas.
http://gente.ig.com.br/cultura. Adaptado
Graças aos seus três urubus, a obra “Bandeira Branca” é o acontecimento mais movimentado da 29ª Bienal [2010] .No dia da abertura, manifestantes de ONGs de proteção aos animais se posicionaram diante da instalação segurando cartazes com dizeres que pediam a libertação das aves. Chegaram a ser confundidos com a própria obra. “Me entristece o fato de que apenas os animais estejam sendo ressaltados. Espalharam informações erradas sobre como os urubus estão sendo tratados”, lamenta Nuno Ramos. Na obra, os urubus estão cercados por uma rede de proteção e têm como poleiro várias caixas de som que, de tempos em tempos, tocam uma tradicional marchinha de carnaval. As aves tinham a permanência na Bienal autorizada pelo próprio Ibama, que, depois, voltou atrás, alegando que as instalações estavam inapropriadas para a manutenção dos animais. Denúncias e proibições à parte, a obra de Nuno Ramos ganha sentido e fundamentação apenas na presença dos animais. Sem eles, a obra perde seu estatuto artístico e vira mero cenário, já que os animais são seus principais atores.
IstoÉ. 08/10/2010. Adaptado.
A exposição "Queermuseu Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", realizada desde 15 de agosto no Santander Cultural, em Porto Alegre, foi cancelada após protestos em rede s sociais. A mostra ficaria em cartaz até 8 de outubro, mas o espaço cultural cedeu às pressões de internautas. A seleção contava com 270 obras que tratavam de questões de gênero e diferença. Os trabalhos, em diferentes formatos, abordam a temática sexual de for mas distintas, por vezes abstratas, noutras, mais explícitas. São assinados por 85 artistas, como Adriana Varejão, Candido Portinari, Ligia Clark, Yuri Firmesa e Leonilson.
Folha de S.Paulo. 10/09/2017. Adaptado.
Nos últimos dias, recebemos diversas manifestações críticas sobre a exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença na Arte Brasileira”.
Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição “Queermuseu” desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perdeu seu propósito maior, que é elevar a condição humana.
Por essa razão, decidimos encerrar a mostra neste domingo, 10/09. Garantimos, no entanto, que seguimos comprometidos com a promoção do debate sobre diversidade e outros grandes temas contemporâneos.
https://www.facebook.com/SantanderCUltural/posts. Adaptado
A arte é um exercício contínuo de transgressão, principalmente a partir das vanguardas do começo do século 20. Isso dá a ela uma importância social muito grande porque, ao transgredir, ela aponta para novos caminhos e para soluções que ainda não tínhamos imaginado para problemas que muitas vezes sequer conhecíamos. A seleção dos trabalhos dos artistas para a próxima edição do festival [Videobrasil], por exemplo, me fez ver que os artistas estão muito antenados com as diversas crises que estamos vivendo e oferecem uma visão inovadora para o nosso cotidiano e acho que isso é um bom exemplo.
Solange Farkas. https://www.nexojornal.com.br.
Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: Devem existir limites para a arte?
Instruções:
A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma padrão da língua portuguesa.
Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível e não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.
Dê um título a sua redação.
Análise da proposta
Assim como em edições anteriores, a Fuvest delimitou explicitamente o tema da dissertação por meio de uma pergunta, que, neste ano, foi: “Devem existir limites para a arte?”. Essa questão foi abordada ao longo do ano em discussões na imprensa e em redes sociais a partir de determinados acontecimentos, o que, de certa forma, difere da tradição da banca.
A coletânea textual é composta por cinco excertos, retirados de veículos de imprensa ou rede social, que auxiliam na delimitação da questão posta em debate. O primeiro texto trata da mudança histórica da função da arte, que se deslocou da representação do belo e do sensível, em direção à proposição de questões polêmicas. O segundo texto traz um exemplo de polêmica referente aos limites da arte, neste caso quanto ao direito de animais eventualmente utilizados nas obras. O terceiro e o quarto textos tratam da exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, que abordou questões de gênero e diversidade e ensejou manifestações de grupos que viam nela uma transgressão indevida a limites da liberdade de expressão na arte, o que levou a empresa patrocinadora a encerrar a mostra. Por fim, o quinto texto relaciona a arte à transgressão e considera que essa função é importante para apontar novos caminhos e soluções a problemas que surgem.
Encaminhamentos possíveis
Para responder à pergunta, o candidato deveria estar atento para as possibilidades de entendimento do que são os “limites” em questão. Pode-se pensar em limites à liberdade de expressão do artista, limites da própria definição do que pode ser considerado arte, bem como limites da sua função na sociedade. Além disso, era necessário responder à questão proposta, seja de forma positiva ou negativa, desde que com argumentos consistentes.
Nesse sentido, era possível abordar, entre outros, os seguintes aspectos do problema:
- Muitas vezes, a arte ainda é associada à produção de obras belas, de acordo com os padrões de cada época. Contudo, ao menos desde a arte moderna, a arte passou a ter também a função de provocar o choque e a polêmica. Vale citar exemplos históricos como o rompimento com padrões visuais clássicos propostos por vanguardas estéticas como o Cubismo, no século XX. Frequentemente, a transgressão, ainda que esbarre em resistências morais ou estéticas, tem função de denúncia e crítica social.
- A definição do que é arte sofreu diversas mudanças históricas e nem sempre é tão clara como pode supor o senso comum. O exemplo da coletânea, de cabeças preenchidas com o sangue do próprio artista, ilustra bem isso. Diversas tendências da arte contemporânea fogem a noções canônicas do que é uma obra, como happenings, instalações, interação com público, flash mobs, entre outras formas de expressão.
- Muitas vezes, o que está em discussão não é exatamente o papel da arte, e sim agendas políticas que usam a arte como pretexto. Isso pode acontecer especialmente em temáticas relacionadas a sexo e violência, assuntos que chamam atenção e podem provocar fortes repercussões, nem sempre com representações fidedignas das obras e do seu contexto.
- Em muitos sentidos, a arte, no mundo ocidental, é definida como um campo autônomo, ou seja, que dá a si mesmo seus próprios limites. O filósofo Kant, por exemplo, defende a autonomia como elemento central do julgamento estético. Críticas a obras midiáticas, como aquelas feitas por pensadores da Escola de Frankfurt, muitas vezes apontaram a falta de autonomia das obras como um problema. Por levarem em conta elementos externos, como o lucro, tais obras deixariam de ser uma forma autêntica de arte.
- A defesa de direitos fundamentais pode ser o eixo de possíveis limites às produções artísticas. Embora o artista seja livre para se expressar e mesmo definir novos limites para a definição do que é arte, ele também está sujeito ao respeito a direitos de indivíduos e de grupos. Um possível exemplo disso são as produções da publicação francesa Charlie Hebdo, consideradas ofensivas por determinados grupos, como os seguidores do islamismo.
- Faz parte de uma cultura plural que obras artísticas estejam sujeitas a críticas das mais diversas espécies. Contudo isso não significa que é legítimo censurar obras e eventos com base em sentimentos de alguns indivíduos ou grupos, ou mesmo da moral dominante. No caso de crianças e adolescentes, podem-se aplicar classificações indicativas e transparência quanto ao conteúdo das obras para que haja uma decisão informada por parte dos pais.