Leia o texto e responda ao que se pede.

É de crer que D. Plácida não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus dias: – Aqui estou. Para que me chamastes? E o sacristão e a sacristã naturalmente lhe responderiam: – Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia.

Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

a) Pode-se afirmar que, neste excerto, além de resumir a existência de D. Plácida, o narrador expressa uma certa concepção de trabalho? Justifique.

b) De que maneira o ritmo textual, que caracteriza a possível resposta dos sacristãos, colabora para a caracterização de D. Plácida?

a) A afirmação é correta.  Brás Cubas, ao narrar a sua própria trajetória de vida, reforça a ideia de que o trabalho é algo sem sentido, exaustivo e enfadonho. Essa postura é reforçada, no último capítulo do livro, pela satisfação que demonstra por nunca ter trabalhado. A vida da personagem D. Plácida é marcada pela precariedade de condições financeiras, obrigando-a a assumir uma existência de trabalho árduo, que não lhe garantiu nenhum tipo de ascensão ou reconhecimento social. No trecho, tal visão do trabalho é associada a imagens ligadas ao rebaixamento e à deterioração de sua saúde, como “queimar os dedos nos tachos”, “comer mal, ou não comer”, “andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando” e “triste agora, logo desesperada, amanhã resignada”.  

 

b) A vida de D. Plácida é caracterizada pelo trabalho árduo, cotidiano e repetitivo, marcado exclusivamente pela sobrevivência e sem nenhum tipo de perspectiva de ascensão social. O ritmo do texto reforça essa concepção sobre a personagem, ao apresentar um período longo, marcado por muitas vírgulas, que denotam uma sequência de imagens ligadas à exaustão física, social e moral.