(...) procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás. (...)
Carta de Graciliano Ramos a sua esposa.
(...) Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinha Vitória guardava o cachimbo.
(...)
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.
Graciliano Ramos, Vidas secas.
A comparação entre os fragmentos, respectivamente, da Carta e de Vidas secas, permite afirmar que
Na carta de Graciliano Ramos, o fragmento "padre Zé Leite pretende" indica o desejo de um mundo de farturas e felicidades, que seria alcançado por meio da fé. No trecho "Baleia queria dormir", manifesta-se o desejo da cachorra pelo fim do sofrimento em que se encontrava. Observa-se, portanto, a intencionalidade nos dois enunciados, indicada pelas expressões "pretende" e "queria".