“ODORICO

Eu sei. É um movimento subversivo procurando me intrigar com a opinião pública e criar problemas à minha administração. Sei, sim. É uma conspiração. Eles não queriam o cemitério. Desde o princípio foram contra. E agora que o cemitério está pronto caem de pau em cima de mim, me chamam de demagogo, de tudo..”

(...)

“ODORICO

Pois eu quero que depois o senhor soletre esta gazeta de ponta a ponta. Neco Pedreira o senhor conhece?

ZECA

Conheço não sinhô.

ODORICO

É o dono do jornal. Elemento perigoso. Sua primeira missão como delegado é dar uma batida na redação dessa gazeta subversiva e sacudir a marreta em nome da lei e da democracia...”

(Dias Gomes, O bem amado. 12.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014, p. 40 e 68.)

A peça de Dias Gomes é uma crítica a um momento histórico e político da sociedade brasileira. Odorico Paraguassu tornou-se um personagem emblemático desse período porque por meio dele 

  • a

    simbolizou-se a defesa da democracia a qualquer custo. Essa defesa resultou em uma sociedade cindida entre o respeito à lei e o seu uso particular, temas políticos comuns aos países latino-americanos nos anos de 1970. 

  • b

    representaram-se o atropelo da lei constitucional, a relativização da liberdade de imprensa e a construção de um inimigo interno que justificasse o arbítrio das decisões do executivo, próprios aos Anos de Chumbo. 

  • c

    explicitaram-se as leis que regiam a vida política e social de uma nação subdesenvolvida da América Latina na década de 1970, marcada pela inércia e pela cumplicidade dos cidadãos com a corrupção sistêmica do país. 

  • d

    fez-se a defesa da democracia e do respeito irrestrito à lei constitucional para um projeto de nação brasileira da década 1970, que enfrentava o espírito demagógico dos políticos latino-americanos.

A peça "O Bem-Amado", de Dias Gomes, foi escrita em 1962 e, portanto, antecede os chamados "Anos de Chumbo". Ainda assim, Odorico Paragassu reúne em si características de um político da ditadura militar brasileira: suas decisões arbitrárias ignoram as leis constitucionais e relativizam a liberdade de imprensa: um exemplo é declarar Neco Pedreira, dono do jornal, um elemento perigoso que precisa ser eliminado em nome do que o prefeito considera democracia.