A entrevista e a charge que seguem servirão de base para você elaborar sua redação.

Historiador vê 'redefinição política e moral' no País
Publicado e atualizado 29/01/2017 - 22h32  • Por Maria Teresa Costa

Com um histórico de golpes, contragolpes e crises, o momento de crise econômica e política que o Brasil vive hoje é apenas mais um na sua história. Mas desta vez há um novo componente. “Estamos, pela primeira vez, em um processo de redefinição do espaço  político  e  da  moral.  Nós  estamos  redefinindo  liames políticos e isso está atingindo todos os partidos. A sociedade está cobrando mais questões éticas. Hoje eu sou mais esperançoso do que em 1990, por exemplo”, disse neste domingo (29) o historiador Leandro Karnal, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pouco antes da aula inaugural para os novos alunos dos cursos de medicina e odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic. Leia abaixo, trechos da entrevista concedida ao Correio.

O Brasil tem jeito?

Você só pode fazer alguma coisa mediante a característica essencial da esperança. O problema do pessimismo é que ele não constrói nenhum projeto de vida ou de empresa, ou de estudo. Então, eu acho que a crise econômica é uma entre dezenas. Vocês podem reclamar de uma inflação de 7% ao ano, e como eu tenho 53 anos, eu já peguei 84% ao mês, no último ano do governo Sarney. As crises vêm e vão. Toda a minha vida pessoal e profissional foi feita com crise. A questão econômica vem e volta.

Na comparação com a evolução de outras crises,diria que essa está chegando ao fim?

Há sinais mais ou menos sistêmicos de que o grosso da recessão começou a terminar. Há sinais de que não está mais diminuindo a atividade econômica, mas ela continua com 12 milhões de desempregados. E isso é bastante angustiante, porque o desemprego tira a esperança de jovens e joga jovens para os campos extremos de esquerda e de direita, que são dois campos estéreis, ruins, agressivos. Mas a crise econômica tende a passar. A crise econômica funciona como doença, ou passa a doença ou passa o doente. Ou seja, ou o Brasil resolve a crise ou nós desaparecemos.

A crise política também está passando?

Acho que nós estamos, pela primeira vez, em um processo de redefinição do espaço político e da moral. Eu acho isso muito interessante. Eu tenho mais esperança nesse momento do que eu tinha há 20 anos. Nós estamos redefinindo liames políticos e isso está atingindo todos os partidos. A sociedade está cobrando mais questões éticas. Hoje eu sou mais esperançoso do que em 1990, por exemplo.

Na história do Brasil, nós já passamos por uma crise tão forte como essa?

Tivemos piores que essa. O que nós nunca passamos é por uma vontade sistemática de resolver. Só para lembrar, em agosto de 1954, o Brasil estava magnetizado pelas denúncias de corrupção contra Getúlio Vargas. O atentado da Rua Tonelero contra Lacerda (o jornalista e político Carlos Lacerda, principal opositor de Vargas) trouxe à tona que o chefe da guarda pessoal de Getúlio tinha fazendas apesar de ser um funcionário público mal-remunerado. As denúncias de corrupção se multiplicaram, Getúlio se suicidou dia 24 de agosto e foi sucedido por Café Filho. No ano seguinte, Café Filho teve um problema de saúde, e foi sucedido por um inimigo do grupo que estava no poder, que era Carlos Luz que tentou dar um golpe, fugiu do Rio de Janeiro em um barco, foi bombardeado na Baía da Guanabara pelo marechal Lott (ministro da Guerra em 1955), que deu o contragolpe para garantir a posse do ministro do Supremo e finalmente passar o poder para Juscelino Kubitschek em 1956. Ou seja, em prazo muito curto nós tivemos cinco presidentes.

O que tivemos de diferente na história recente?

A história do Brasil inteira é uma história de golpes, contragolpes. Na verdade, o que os jovens não têm muita clareza é que o período em que eles se tornaram mais maduros, ou com mais consciência, é uma exceção na história do Brasil, que é a era Fernando Henrique e Lula, quando um presidente civil eleito passou o poder para outro presidente civil eleito em meio a estabilidade econômica. E isto é excepcional e parece que acostumou mal as pessoas.

Então, olhando a história, diria que dessa vez nós estamos nos saindo bem?

Nós estamos no processo de refazer a política nacional. Hoje, atitudes que contrariam a vontade popular representam imediatamente manifestações. Temos uma imprensa muito mais livre e atuante, uma internet, uma capacidade de gravar coisas, uma transparência. Nós não resolvemos os problemas, mas nós estamos hoje com potencial para resolvê-los. Isso não ocorria antes. Nós temos hoje uma verificação da ética que é muito maior do que já houve na história do Brasil. A diferença é que hoje nós estamos na investigação dos problemas. Isso é novo e muito esperançoso.

Então, temos saída?

Tem, e não é aquela que se dizia na década perdida, na década 80, que era o aeroporto. E nem aquela desilusão de um general como Simon Bolívar que em 1830, pouco antes de morrer de tuberculose no Rio Madalena, dizia que quem luta pela liberdade na América está arando o mar, está fazendo algo inútil. Perguntaram a ele o que fazer pelo nosso continente, ele dizia: emigrar.

Esse discurso de ódio que vem aflorando na sociedade vai acalmar?

Isso está trazendo à tona que pessoas com diferentes projetos políticos estão convivendo. Gente que nunca conviveu fora do seu gueto está convivendo e temos hoje debates distintos sobre os destinos do País, temos posições políticas muito distintas, nós aprendemos a expor nossas ideias. Está faltando a etapa seguinte, que é aprender a ouvir os outros. A democracia sempre é um aprendizado. O Congresso brasileiro é uma representação dessa sociedade e é justo e bom que lá você encontre pessoas muito diferentes umas das outras. Temos a aprender que dentro da lei o debate é muito bom.

Disponível em: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2017/01/campinas_e_rmc/467035-histori-ador-ve-redefinicao-politica-e-moral-no-pais.html.
Acesso em: 12 abr. 2017. [Adaptado para fins de vestibular]

Proposta de Redação

Como retratado ironicamente na charge, grande parte da sociedade brasileira considera-se desesperançada em relação à situação atual do país. Diferentemente desse posicionamento,  o Professor Leandro Karnal crê existir potencial para a resolução de problemas que afetam a política nacional.

Considerando esses dois olhares, manifeste seu ponto de vista, expressando o que você faria para contribuir com a retroversão desse quadro de desesperança.

Sustente  seu  posicionamento  com  argumentos  relevantes  e  convincentes,  articulados  de forma coesa e coerente. Dê um título ao texto.

Seu trabalho será avaliado de acordo com os seguintes critérios: espírito crítico, adequação do texto ao desenvolvimento do tema, estrutura textual compatível com o texto dissertativo-argumentativo e emprego da modalidade escrita formal da língua portuguesa.

Importante:

• Redija seu texto a tinta, no espaço a ele destinado. O rascunho não será considerado. Será desclassificado o candidato que tirar zero na redação.

• Nota zero será atribuída se o texto construído apresentar menos de sete linhas (linhas copiadas dos textos da prova serão desconsideradas); fugir ao tema ou apresentar parte do texto em desacordo com o tema proposto; não estiver de acordo com o texto dissertativo-argumentativo; apresentar impropérios, desenhos ou quaisquer outras formas propositais de anulação.

Análise da Proposta

O vestibular da Faculdade Israelita Albert Einstein manteve, nesta edição, o gênero “texto dissertativo-argumentativo” para a sua prova de redação, mas não seguiu a tendência das provas anteriores de requisitar como tema uma questão ligada à área da saúde. Nesta prova, os candidatos deveriam elaborar um texto sobre a possibilidade de reverter o quadro de desesperança que marca a situação atual do país.

A coletânea de textos é composta de uma entrevista com o historiador Leandro Karnal e de uma charge do cartunista Nef. Na entrevista, Karnal afirma que crises econômicas e políticas marcam toda a história do país, mas que a economia tende a se recuperar e que a crise política de hoje traria uma característica diferente: uma pressão social por redefinir o espaço da política e da moral, acompanhada pela investigação dos problemas. Além disso, o historiador defende que a atual polarização violenta do debate político tem um aspecto positivo, pois ela se deve à convivência democrática de diferentes projetos políticos, embora falte o aprendizado da escuta do outro.

A charge acentua a persistência, em 2017, dos problemas vivenciados pelo país em 2016, relacionados à violência, à instabilidade política e à corrupção. Tal situação indicaria, como explicita o comentário da própria banca, um quadro de desesperança.

 

Encaminhamentos possíveis

É importante notar que o foco temático da proposta é “o que você faria para contribuir com a retroversão desse quadro de desesperança”. Ao responder a essa orientação, o candidato poderia seguir, entre outros, os seguintes encaminhamentos:

  • a crise pela qual passa o país relaciona-se a um quadro de baixa participação política dos cidadãos, que distanciou cada vez mais as cúpulas partidárias dos interesses dos representados. Nesse sentido, uma maior participação política seria necessária, seja por meio do acompanhamento das notícias cotidianas sobre política e da cobrança do cumprimento de projetos de governo pelos políticos eleitos, seja por meio de outras formas de atuação, como coletivos, movimentos sociais, debates presenciais e fóruns de discussão e informação em redes sociais;
  • seguindo a leitura de Leandro Karnal, há um componente ético fundamental na crise do país, o que faz pensar em mudanças quanto ao pensamento e ao comportamento não só dos políticos, mas de todo cidadão. De nada adianta, nesse sentido, reclamar da corrupção em Brasília e burlar regras de presença em trabalho em hospitais públicos, por exemplo. Sobre esse tema, poderiam ser analisados casos de indivíduos que foram às ruas “contra a corrupção”, mas depois vieram a ser pegos, eles mesmos, em situações de irregularidades. Assim, a crítica à falta de ética deve envolver reflexão e cobranças também individuais;
  • nossa situação também pode se relacionar a um quadro de individualismo e desinteresse por questões coletivas. Tal situação poderia ser revertida por meio de outras formas de participação, como trabalho voluntário em organizações sociais relacionadas a educação, saúde e assistência social, ou a mobilização em prol de pautas que possam ajudar o país na superação da crise econômica, como propostas de reformas tributárias.