Em busca de Pindorama • A questão da terra e da identidade indígenas no Brasil
A luta dos gamela na região de Viana [Maranhão] não é recente, afirmam os indígenas. Há ataques registrados em pelo menos duas outras ocasiões: no final da década de 1960, quando escrituras de terras onde eles viviam começaram a aparecer com o nome de outros donos, e em 1987. Como em diversas regiões do país, o conflito reflete a dificuldade que rege a titularidade de terras rurais. Uma história que passa por expulsões de pessoas mais vulneráveis de suas áreas, por grilagem e ocupações irregulares e, até, pela conivência de cartórios, que em décadas passadas faziam registros falsos de acordo com o gosto de quem pudesse pagar mais. Em um cenário onde o estoque de terras vêm se esgotando, os conflitos parecem estar se tornando cada vez mais frequentes.
Talita Bedinelli • EL PAÍS
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/06/politica/1494107739_378228.html, Acessado em: 08/05/17.
Imagem: https://mirim.org/terras-indigenas, acesso em 13/05/2017.
No Mato Grosso, onde está reunida, a população xavante tem atualmente quase vinte mil índios, segundo o censo da Funai. Cerca de 900 deles vivem nas quatro aldeias de Marãiwatsédé, numa região que era de transição do cerrado para a floresta amazônica – quem conheceu a região nos anos 1960 fala com saudosismo do mato fechado que encobria até as estradas. A mata, contudo, desapareceu. Rodeada por fazendas com soja e gado, ela ganhou o título de terra indígena mais desmatada do Brasil, com cerca de 80% de seu território destruído.
Lucas Ferraz, Rai Reis
Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo • 12/09/2016.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
(...)
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis
Fonte: Extraído de Constituição da Rep. Fed. do Brasil, 1988. Tít VIII, Cap. VIII, Dos Indios. [http://www.planalto.gov.br] Acesso em: 17/05/2017
• A partir dos textos e das imagens, caracterize a situação dos povos indígenas no início da colonização portuguesa (século XVI) e na atualidade, tendo em vista a questão da terra e da identidade.
No período do descobrimento estima-se que havia disperso em todo o território nacional cerca de cinco milhões de índios distribuídos em pelo menos 1.400 etnias que falavam 1.300 línguas diferentes. Atualmente a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) reconhece aproximadamente 460.000 índios que pertencem a apenas 215 etnias e falam 180 línguas, concentrados especialmente na região Norte. No entanto, os últimos dados censitários, indicam que a população indígena brasileira totaliza 896.000 indígenas (cerca de 0,5% da população brasileira), considerando as pessoas que se auto-identificam índias, nas cidades e no campo, e não apenas os residentes cadastrados de aldeias oficiais como nos índices da FUNAI. Importante destacar que as últimas pesquisas indicam um pequeno crescimento da população indígena. No entanto, é evidente o extermínio do povo (genocídio) e da cultura indígena (etnocídio) ao longo dos pouco mais de 500 anos de existência do nosso país.
Durante o período colonial esses povos foram massacrados em aldeias que afrontavam de alguma maneira os interesses e o expansionismo dos colonos. Em diversos momentos históricos a formação do Brasil dependeu da exploração da mão de obra indígena que era forçada a abandonar seu estilo de vida e se adaptar ao novo modelo social imposto pelos brancos, negando suas identidades e traços culturais.
Hoje em dia, de certa forma, esse processo ainda permanece. Habitantes de comunidades indígenas são mortos diariamente por doenças causadas pela falta de alimentos, precária situação de moradia e dificuldade de acesso a cidadania. Apesar do Estatuto do Índio e da Constituição brasileira preverem uma série de garantias, a violação dos direitos indígenas dificulta a sobrevivência e manutenção da identidade cultural desses povos.
Estatuto do Índio é o nome dado a lei 6.001 promulgada em 1973, que determinava como deveriam ser as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os indígenas. A lei tinha como propósito preservar a cultura desses povos e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à sociedade nacional.
A Constituição de 1988 ampliou e consagrou de maneira significativa os direitos indígenas revolucionando as relações do Estado e da sociedade com esses povos tradicionais. Duas grandes inovações se destacaram: o direito à diferença e o direito à terra.
O antigo estatuto seguia alguns princípios ultrapassados nos quais as sociedades indígenas eram tratadas apenas como categorias transitórias, que logo estariam integradas à sociedade brasileira. A Constituição de 1988 abandonou esses princípios e passou a reconhecer as tradições indígenas e o direito de manterem sua própria cultura.
Os indígenas passaram a ser considerados povos diferenciados, submetidos a direitos especiais. Não são mais obrigados a assimilar a nossa cultura, podem manter seus hábitos tradicionais e serem contemplados pelos mesmos direitos de todo cidadão brasileiro, como por exemplo, saúde e educação pública.
Outra importante conquista foi o reconhecimento dos índios como os primeiros ocupantes do Brasil. Antes mesmo da criação do próprio Estado já habitavam nosso país, e por essa razão possuem o direito original sobre as terras, independente de qualquer reconhecimento oficial. A demarcação das Terras Indígenas (TIs) feita pelo governo é, portanto, apenas uma declaração formal do seu tamanho e precisão dos limites, com o objetivo de facilitar a segurança e garantir a posse e o usufruto exclusivo aos índios.
Havia sido determinado que todas as Terras Indígenas estariam demarcadas em um prazo máximo de cinco anos, até 1993. Porém, essa determinação não foi cumprida e as TIs se encontram atualmente em diferentes estágios do processo de demarcação.
A violação do direito à terra pode ser observada em diferentes situações. Em muitos casos, principalmente nas regiões mais urbanizadas, as áreas reservadas aos índios são pequenas e não favorecem a autossuficiência das aldeias, que acabam dependendo de doações de diversas origens para sobreviverem.
Nas grandes reservas, concentradas especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, é comum o desrespeito aos limites demarcados e a ação ilegal de madeireiros, garimpeiros, produtores agrícola dentre outras atividades, que exploram constantemente essas áreas. Garantir terras aos índios parece ser um dos maiores desafios da FUNAI, o órgão responsável pela execução das políticas indigenistas no Brasil. Atualmente existem no Brasil 588 terras indígenas com limites definidos em diferentes estágios de demarcação. Essas áreas correspondem a cerca de 12% do território nacional, concentradas especialmente na região da floresta Amazônica, onde se encontra a maior parcela dos índios.
Essa situação é preocupante porque as comunidades indígenas tradicionais possuem uma relação com a natureza e uma noção de territorialidade muito diferente ao do homem branco. Terra para os índios não é um bem material, mas um bem sociocultural imprescindível. Nesse tipo de sociedade coletiva a sobrevivência do grupo depende diretamente da exploração dos recursos naturais.
Essas comunidades vivem da caça, pesca e plantação de subsistência. Seus rituais, crenças, costumes e todos os outros valores culturais dependem do meio ambiente conservado, sendo fundamental evitar a violação desse direito tão importante para manutenção dos povos nativos do Brasil.
Com relação aos índios que vivem nas cidades e no campo, longe das comunidades tradicionais, a luta é outra. Lutam para ter acesso à cidadania sem perder suas identidades indígenas. A inclusão do índio na sociedade brasileira comumente é confundida com aculturação, tornando-os brasileiros, mas esquecendo-se de que também são índios. A violação do direito à diferença.
Esse fato ocorre pela forma como os índios acabam tendo acesso aos seus direitos. Quando estudam, por exemplo, frequentam escolas tradicionais nas quais as aulas são dadas por professores convencionais. O acesso a educação é fundamental para garantir a inclusão indígena na sociedade, porém o ensino deve ser diferenciado, respeitando, valorizando e demonstrando como as tradições indígenas podem ser acrescentadas e não simplesmente substituídas. Sendo assim, seria interessante que mais professores índios fossem qualificados para essa tarefa.