Como um(a) aluno(a) do Ensino Médio interessado(a) em questões da atualidade, você leu o artigo “A volta de um Rio que faz sonhar”. Sentindo-se desafiado(a) pelos questionamentos levantados no texto, você decidiu escrever uma carta para a Seção do Leitor da revista Rio Pesquisa. Em sua carta, discuta a relação estabelecida pela autora entre o conceito de Brasil cordial e a presença de estrangeiros no Brasil, apresentando argumentos em defesa de um ponto de vista sobre a questão.
A volta de um Rio que faz sonhar
Reverenciada mundialmente por suas belezas naturais, a cidade do Rio de Janeiro tem se transformado em espaço sonhado para aqueles que buscam construir seu futuro em terra estrangeira. Imigrantes, de origens variadas, vêm chegando à cidade, buscando garantir sua sobrevivência, fugir à pobreza ou transformar seus sonhos em realidade. Esse processo insere-se em um quadro mais geral de transformações. Graças à situação assumida pelo Brasil, como uma das maiores economias do mundo, polo de atração na América do Sul, o país vem se tornando, mais uma vez na história, importante lugar de chegada, em um momento em que políticas de vigilância e controle sobre os estrangeiros aprofundam-se nos países ricos em crise.
Essa nova situação exige estudos que ultrapassem as questões pontuais para incluir análises sobre as relações presente e passado; entre o local, o nacional e o internacional e entre as práticas e as representações sobre o “outro”. O recente episódio da entrada abrupta de haitianos no Brasil, sem dúvida, apontou a necessidade dessas análises ampliadas. Para além da conjugação entre a necessidade de partir e o conhecimento adquirido sobre um país que se tornou “próximo” pela presença das tropas brasileiras em solo haitiano, o processo revestiu-se de preocupantes aspectos de mudança. Dentre eles, a ação dos coiotes na efetivação dos deslocamentos, marca indicativa do ingresso do país em um contexto no qual grupos organizados vivem da imigração ilegal e máfias internacionais enriquecem com o tráfico humano. O episódio pode ser visto, assim, como a ponta de um iceberg que tende a envolver a América Latina e o Caribe, considerando-se uma das tendências dos processos migratórios da atualidade: as migrações regionalizadas, realizadas no interior dos subsistemas internacionais.
Brasil: país cordial?
A predisposição do Brasil em receber o estrangeiro de braços abertos é ideia consagrada que necessita sofrer o peso da crítica. Pesquisas variadas têm demonstrado que o país nunca foi imune aos processos de discriminação do “outro”. Um exemplo, entre vários, pode ser dado pela prática da expulsão de estrangeiros na Primeira República (1907-1930), que se caracterizou por extrema violência, mesmo contra aqueles que já eram considerados residentes, portanto com os mesmos direitos constitucionais dados aos brasileiros.
A representação de um Brasil cordial, desta forma, deve ser entendida como uma construção forjada em determinado momento de nossa história. Lógico que as reações diferiam e diferem de acordo com os diferentes tipos de estrangeiros com os quais travamos contato, ocorrendo diferenças de tratamento em relação àqueles que, pelo local de nascimento ou pela cor, classificamos como superiores ou inferiores. Vários indícios vêm demonstrando que as atitudes discriminatórias não ficaram perdidas no passado, mas podem ser encontradas com relativa facilidade, quando treinamos nosso olhar para melhor observar aquilo que nos cerca. As tensões entre brasileiros e bolivianos nos locais onde estes estão mais presentes, por exemplo, já são bastante visíveis. Isso sem falar no triste espetáculo do subemprego e da exploração a que estão sujeitos latino-americanos fixados ilegalmente no país. É urgente, portanto, que nos perguntemos como tendemos a ver e sentir a presença cada vez mais visível de estrangeiros em solo brasileiro, principalmente daqueles que são oriundos de países pobres, muitos deles necessitando do foco dos direitos humanos. Seremos sensíveis aos discursos e às práticas xenófobas? Defenderemos políticas restritivas e repressoras? Caminharemos para a sofisticação dos instrumentos de vigilância sobre um “outro” que possa ser visto como ameaça? Responder a essas questões, aqui e agora, seria um exercício de profecia que não nos cabe fazer. Isso não exclui, entretanto, que a reflexão sobre essas possibilidades esteja proposta, por mais penosa que ela possa ser, principalmente se considerarmos a rapidez dos processos em curso e a tensão mundial presente no embate entre interesses nacionais e direitos humanos.
(Adaptado de Lená Medeiros de Menezes, A volta de um Rio que faz sonhar. Rio Pesquisa, Rio de Janeiro, ano V, nº 20, p. 48-50, set. 2012.)
Repetindo o modelo apresentado em edições anteriores, o vestibular da Unicamp, neste ano, solicitou ao candidato a elaboração de uma carta argumentativa a ser publicada na Seção do Leitor da revista Rio Pesquisa. A partir de um texto da historiadora Lená Medeiros de Menezes, a banca propôs que se discutisse a relação entre o conceito de Brasil cordial e a presença de estrangeiros no Brasil.
A autora aborda as recentes imigrações para o Brasil e defende a necessidade de se analisar esse processo de maneira mais ampla do que comumente tem sido feito. Em seu texto sobre a presença de estrangeiros no país, Menezes contesta a afirmação de que o país seria “espaço sonhado para aqueles que buscam garantir seu futuro em terra estrangeira”, em um momento em que “políticas de vigilância e controle sobre estrangeiros aprofundam-se em países ricos em crise”. Segundo o texto, a cordialidade brasileira é uma construção cultural forjada, ainda que os motivos e as justificativas para a imigração sejam válidas: trata-se de uma maneira de garantir sobrevivência e fugir à pobreza, considerando a aproximação pela presença de tropas do Brasil no Haiti e a posição do Brasil como uma das maiores economias do mundo e como um polo de atração na América do Sul. Segundo a autora, o país historicamente nunca foi imune aos processos de discriminação: houve a expulsão de estrangeiros na Primeira República, a classificação de indivíduos como superiores e inferiores pela questão da “cor”, tensões entre brasileiros e bolivianos, subemprego e exploração dos latino-americanos fixados ilegalmente no país na atualidade.
Por fim, a autora levanta os seguintes questionamentos:
- Como tendemos a ver e a sentir a presença cada vez mais visível de estrangeiros no país - em especial aqueles oriundos de países pobres, que necessitam do foco nos direitos humanos?
- Seremos sensíveis aos discursos e práticas xenófobas?
- Defenderemos políticas restritivas e repressoras?
- Aumentaremos a vigilância, vendo o outro como ameaça?
Pautado pelas reflexões apresentadas pelo texto da autora, datado de 2012, o candidato poderia se valer de seu repertório pessoal e considerar as mudanças políticas e econômicas dos últimos anos no Brasil e no mundo e definir um ponto de vista sobre a questão.
Dentre outros encaminhamentos, seria possível reforçar a visão da autora ao considerar que o processo histórico brasileiro foi baseado em exploração e desigualdades que geram, ainda hoje, visões discriminatórias e preconceituosas, as quais muitas vezes são expostas, explicitamente, por meio das redes sociais, mas que são, do mesmo modo, muitas vezes combatidas por uma crescente valorização dos discursos que privilegiam os direitos humanos.
Seria possível, ainda, considerar a discriminação e as políticas restritivas e repressoras adotadas por outros países em comparação à visão mais humanitária do Brasil, que, a despeito de decisões tomadas por certos líderes mundiais, ainda apresenta receptividade maior em relação aos imigrantes.
Por fim, vale destacar que a menção aos direitos humanos é imprescindível para problematizar a temática apresentada no texto-fonte.