Texto 1
A distribuição da riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas da atualidade. Será que a dinâmica da acumulação do capital privado conduz de modo inevitável a uma concentração cada vez maior da riqueza e do poder em poucas mãos, como acreditava Karl Marx no século XIX? Ou será que as forças equilibradoras do crescimento, da concorrência e do progresso tecnológico levam espontaneamente a uma redução da desigualdade e a uma organização harmoniosa da sociedade, como pensava Simon Kuznets no século XX?
(Thomas Piketty. O capital no século XXI, 2014. Adaptado.)
Texto 2
Já se tornou argumento comum a ideia de que a melhor maneira de ajudar os pobres a sair da miséria é permitir que os ricos fiquem cada vez mais ricos. No entanto, à medida que novos dados sobre distribuição de renda são divulgados*, constata-se um desequilíbrio assustador: a distância entre aqueles que estão no topo da hierarquia social e aqueles que estão na base cresce cada vez mais.
A obstinada persistência da pobreza no planeta que vive os espasmos de um fundamentalismo do crescimento econômico é bastante para levar as pessoas atentas a fazer uma pausa e refletir sobre as perdas diretas, bem como sobre os efeitos colaterais dessa distribuição da riqueza.
Uma das justificativas morais básicas para a economia de livre mercado, isto é, que a busca de lucro individual também fornece o melhor mecanismo para a busca do bem comum, se vê assim questionada e quase desmentida.
* Um estudo recente do World Institute for Development Economics Research da Universidade das Nações Unidas relata que o 1% mais rico de adultos possuía 40% dos bens globais em 2000, e que os 10% mais ricos respondiam por 85% do total da riqueza do mundo. A metade situada na parte mais baixa da população mundial adulta possuía 1% da riqueza global.
(Zygmunt Bauman. A riqueza de poucos beneficia todos nós?, 2015. Adaptado.)
Texto 3
Um certo espírito rousseauniano parece ter se apoderado de nossa época, que agora vê a propriedade privada e a economia de mercado como responsáveis por todos os nossos males. É verdade que elas favorecem a concentração de riqueza, notadamente de renda e patrimônio.
Essa, porém, é só parte da história. Os mesmos mecanismos de mercado que promovem a disparidade – eles exigem certo nível de desigualdade estrutural para funcionar – são também os responsáveis pelo mais extraordinário processo de melhora das condições materiais de vida que a humanidade já experimentou.
Se o capitalismo exibe o viés elitista da concentração de renda, ele também apresenta a vocação mais democrática de tornar praticamente todos os bens mais acessíveis, pelo aprimoramento dos processos produtivos. Não tenho nada contra perseguir ideias de justiça, mas é importante não perder a perspectiva das coisas.
(Hélio Schwartsman. “Uma defesa da desigualdade”. Folha de S.Paulo, 14.06.2015. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva uma dissertação, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
A riqueza de poucos beneficia a sociedade inteira?
Análise da proposta
A proposta de redação da Unesp, conforme determina o edital do exame, solicitou a elaboração de uma dissertação que discutisse um tema explicitado na forma de uma questão: “A RIQUEZA DE POUCOS BENEFICIA A SOCIEDADE INTEIRA?”
Em outras palavras, o candidato deveria desenvolver uma discussão relativamente aprofundada e bem fundamentada a respeito de uma das mais polêmicas questões das sociedades capitalistas: a progressiva concentração da renda.
Para orientar, fomentar e também subsidiar a reflexão, foi oferecida uma coletânea com três fragmentos muito bem selecionados, seja pela relevância das fontes, seja pela definição do arco de questões e orientações ideológicas abarcadas pelo problema.
Nesse sentido, o primeiro texto, extraído do livro de Thomas Piketty “O Capital no século XXI”, assume importância fundamental. Desde ali já se delineiam, de modo bastante breve e preciso, duas correntes ideológicas antípodas a respeito da concentração de renda. Dentro da perspectiva marxista, a dinâmica capitalista implica inexoravelmente a concentração crescente da renda e, consequentemente, do poder, amplificando a desigualdade entre as classes e a marginalização do proletariado. Já na perspectiva liberal, representada pelo Nobel de Economia Simon Kuznets, a evolução do capitalismo e o progresso tecnológico conduzem naturalmente a uma redução da desigualdade. O fragmento é especialmente propício porque, em vez de simplesmente evocar as duas posições, coloca-as em questão, convocando o candidato a uma reflexão autônoma, em que as ressalvas assumem papel fundamental.
O segundo texto, de Bauman, extraído de um livro que traz como título justamente a pergunta que sintetiza o tema da redação (“A riqueza de poucos beneficia todos nós?”), apresenta dados obtidos por um estudo da ONU que revelariam a falsidade da tese liberal: apesar do inegável avanço na geração de bens e riquezas, a concentração de renda tem se agudizado. Isso põe em xeque o que o autor aponta como “uma das justificativas morais básicas para a economia de livre mercado”.
O terceiro texto, do articulista brasileiro Hélio Schwartsman, convida a uma ponderação: embora seja inegável que a economia capitalista promova a concentração da riqueza e o aumento da desigualdade, também é necessário reconhecer que ela permitiu que a maioria da população usufruísse de melhores condições de vida, democratizando o acesso a muitos bens de consumo e a tecnologias.
Encaminhamentos possíveis
A coletânea convida a uma reflexão madura, que escape do panfletarismo para buscar uma hierarquização dos valores em jogo. A defesa do capitalismo liberal se associa à sobrevalorização do conforto e do prazer decorrentes do acesso aos bens de consumo; o ataque ao liberalismo, por sua vez, privilegia a busca da justiça social e da solidariedade.
Qualquer que fosse o posicionamento assumido pelo candidato, seria desejável escapar tanto da demonização infundada do capitalismo, quanto da sua ingênua glorificação.