Leia o trecho do romance Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis (1839-1908), em que o personagem Bento apresenta ao amigo Escobar os bens de sua família.
– Não, agora não voltamos mais [a viver na fazenda]. Olhe, aquele preto que ali vai passando, é de lá. Tomás!
– Nhonhô!
Estávamos na horta da minha casa, e o preto andava em serviço; chegou-se a nós e esperou.
– É casado, disse eu para Escobar. Maria onde está?
– Está socando milho, sim, senhor.
[...]
– Bem, vá-se embora.
Mostrei outro, mais outro, e ainda outro, este Pedro, aquele José, aquele outro Damião...
– Todas as letras do alfabeto, interrompeu Escobar.
Com efeito, eram diferentes letras, [...] distinguindo-se por um apelido ou da pessoa [...] ou de nação como Pedro Benguela, Antônio Moçambique.
– E estão todos aqui em casa? perguntou ele.
– Não, alguns andam ganhando na rua, outros estão alugados. Não era possível ter todos em casa. Nem são todos os da roça: a maior parte ficou lá.
(Dom Casmurro, 1994.)
O enredo de Dom Casmurro transcorre na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império brasileiro. A partir da aná- lise do trecho, explicite a visão do proprietário sobre os seus escravos, as origens desses escravos e os tipos de exploração escravista na sociedade brasileira do século XIX.
A visão do proprietário sobre seus escravos é a tradicional (autoritária e paternalista), como era típico no cenário escravista brasileiro. Entretanto, nota-se um discreto afrouxamento dos laços de dominação. No que se refere às origens dos trabalhadores, o texto indica que vieram das propriedades rurais da família e, de forma menos explícita, de regiões africanas de ocupação portuguesa. No trecho, as atividades desempenhadas pelo escravo eram "as da roça e, principalmente, aquelas relacionadas a trabalhos domésticos e urbanos, destacando-se as modalidades de escravos alugados e "de ganho", os quais rendiam para si mesmos e para seus senhores.