Leia um trecho do “Manifesto do Futurismo” publicado por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) no ano de 1909.

Nós cantaremos as grandes multidões movimentadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; as marés multicoloridas e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; a vibração noturna dos arsenais e dos estaleiros sob suas luas elétricas; as estações glutonas comedoras de serpentes que fumam; as usinas suspensas nas nuvens pelos barbantes de suas fumaças; os navios aventureiros farejando o horizonte; as locomotivas de grande peito, que escoucinham os trilhos, como enormes cavalos de aço freados por longos tubos, e o voo deslizante dos aeroplanos, cuja hélice tem os estalos da bandeira e os aplausos da multidão entusiasta.

(Apud Gilberto Mendonça Teles. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, 1992. Adaptado.)

Em consonância com este preceito do Futurismo estão os seguintes versos, extraídos da produção poética de Fernando Pessoa (1888-1935):

  • a

    Nas cidades a vida é mais pequena
    Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
    Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
    Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
    Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
    E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

  • b

    Ontem à tarde um homem das cidades
    Falava à porta da estalagem.
    Falava comigo também.
    Falava da justiça e da luta para haver justiça
    E dos operários que sofrem,
    E do trabalho constante, e dos que têm fome,
    E dos ricos, que só têm costas para isso.
    E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
    E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
    O ódio que ele sentia, e a compaixão
    Que ele dizia que sentia.

  • c

    Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
    Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
    Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
    Ouvindo correr o rio e vendo-o.
    Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
    No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
    Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
    Pagãos inocentes da decadência.

  • d

    Levando a bordo El-Rei dom Sebastião,
    E erguendo, como um nome, alto o pendão
    Do Império,
    Foi-se a última nau, ao sol aziago
    Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
    Mistério.
    Não voltou mais. A que ilha indescoberta
    Aportou? Voltará da sorte incerta
    Que teve?

  • e

    Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
    Amo-vos carnivoramente,
    Pervertidamente e enroscando a minha vista
    Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
    Ó coisas todas modernas,
    Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
    Do sistema imediato do Universo!
    Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Algumas das propostas do movimento futurista, expostas no trecho do Manifesto reproduzido no enunciado, encontram eco no poema da alternativa E: a apologia da urbanidade moderna (Manifesto: “as marés multicoloridas e polifônicas das revoluções nas capitais modernas”; poema: “Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis / Ó coisas todas modernas”); o elogio da máquina e da mecanização (Manifesto: “locomotivas”, “cavalos de aço” e “aeroplanos”; poema: “Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!”); e ainda o apelo ao grotesco (Manifesto: “estações glutonas comedoras de serpentes que fumam”; poema: “Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. / Amo-vos carnivoramente”). A identificação de autoria também poderia facilitar a resposta, já que o heterônimo de Fernando Pessoa mais próximo do Futurismo foi Álvaro de Campos, autor dos versos da alternativa E. Os trechos das demais alternativas foram retirados das obras de Alberto Caeiro (A e B), Ricardo Reis (C) e da poesia ortônima de Fernando Pessoa (D).