Nasceu o dia e expirou.
Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, que esperam a volta da mãe ausente.
Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores.
Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro, e lhe entram n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro.
José de Alencar, Iracema.
Atente para as seguintes afirmações, extraídas e adaptadas de um estudo do crítico Augusto Meyer sobre José de Alencar:
I. “Nesta obra, assim como nos ‘poemas americanos’ dos nossos poetas, palpita um sentimento sincero de distância poética e exotismo, de coisa notável por estranha para nós, embora a rotulemos como nativa.”
II. “Mais do que diante de um relato, estamos diante de um poema, cujo conteúdo se concentra a cada passo na magia do ritmo e na graça da imagem.”
III. “O tema do bom selvagem foi, neste caso, aproveitado para um romance histórico, que reproduz o enredo típico das narrativas de capa e espada, oriundas da novela de cavalaria.”
É compatível com o trecho de Iracema aqui reproduzido, considerado no contexto dessa obra, o que se afirma em
Afirmação I: correta. O romantismo indianista de Iracema e dos “poemas americanos” de poetas como Gonçalves Dias caracterizou-se pela construção de imagens idealizadas (referida no trecho de Augusto Meyer como “distância poética”) e pitorescas (o “exotismo” de que trata o texto crítico) da natureza e do indivíduo.
Afirmação II: correta. A classificação da linguagem alencariana em Iracema como prosa poética é uma das referências mais comuns a respeito do romance. Essa classificação se justifica exatamente em função de traços como a “magia do ritmo” e a “graça da imagem”, apontados por Augusto Meyer.
Afirmação III: incorreta. Em Iracema, os dados históricos são superados pela dimensão alegórica e mitológica da narrativa. Além disso, a temática do bom selvagem, explorada por Alencar em romances como O guarani, não tem em Iracema um exemplo tão bem definido.