“O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?

Essa negra Fulô!”

(Jorge de Lima, Poesias Completas, v.1. Rio de Janeiro/Brasília: J.Aguilar e INL, 1974, p. 121.)

“A Sinhá mandou arrebentar-lhe os dentes:
Fute, Cafute, Pé-de-pato, Não-sei-que-diga,
avança na branca e me vinga.
Exu escangalha ela, amofina ela,
amuxila ela que eu não tenho defesa de homem,
sou só uma mulher perdida neste mundão.
Neste mundão.
Louvado seja Oxalá.
Para sempre seja louvado.”

(Idem, p.164.)

Essas duas cenas de ciúmes concluem dois textos diferentes de Jorge de Lima. A primeira pertence ao conhecido poema modernista “Essa negra Fulô”; a segunda, ao poema “História”, de Poemas Negros (1947). Em relação a “Essa negra Fulô”, o poema “História”, especificamente, representa

  • a

    a reiteração da denúncia das relações de poder, muito arraigadas no sistema escravocrata, que colocam no mesmo plano violências raciais e sexuais. 

  • b

    a passagem de uma caracterização da mulher negra como sedutora para uma postura solidária em relação à escrava, que explicita as estratégias compensatórias de que se vale para sobreviver.

  • c

    a permanência de uma visão pitoresca sobre a situação da mulher negra nos engenhos de açúcar, que oculta os mecanismos de poder que garantiam sua exploração.

  • d

    a superação da visão idílica da vida na senzala, graças a uma postura realista e social, que revela a violência das relações entre senhores e escravos.

O poema “História” reitera, sob um ponto de vista distinto, a denúncia das relações de poder no regime escravocrata já desenvolvida em “Essa negra Fulô”. Em ambos os textos, a mulher negra é alvo de violência: seja como mero elemento de satisfação sexual por parte dos homens brancos, seja como alvo dos ciúmes e da opressão física por parte das sinhás. A diferença reside no fato de que no poema “Essa negra Fulô”, a escrava triunfa ao se valer da sedução como arma para lutar naquele sistema opressor. Em “História”, temos a variante trágica do mesmo tema, já que a mulher (que também buscara seduzir o senhor) acaba por ser barbaramente torturada.
O gabarito oficial aponta como correta a alternativa B. Mas essa alternativa incorre no erro de atribuir ao poema “Essa negra Fulô” a apresentação apenas sedutora da mulher negra, como se não houvesse neste texto uma postura solidária do enunciador em relação à escrava. Além disso, não se pode considerar que não haja sedução também em “História”, que narra a trajetória de uma escrava que, depois de viver violências físicas terríveis, “faz mandinga para o Sinhô a amar”, estratégia tão sedutora quanto a sensualidade de Fulô. Além disso, não se compreende exatamente a referência do pronome relativo “que” dessa alternativa. Se diz respeito apenas às considerações a respeito do poema “História”, também ocorre aqui um equívoco, na medida em que também em “Essa negra Fulô” a sensualidade pode ser entendida como uma estratégia de sobrevivência no ambiente violento e opressor da escravidão.

Gabarito oficial: B
Gabarito Anglo: A