Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
O texto ao lado é de Claro Enigma, obra de Carlos Drummond de Andrade. De sua leitura se pode depreender que
O soneto “Oficina Ιrritada” traz, no último verso, a expressão que dá título ao livro de Drummond: “claro enigma”. Essa presença não é casual: assim como acontece com outros poemas do livro, a leitura desse soneto apresenta dificuldades que exigem disposição e concentração do leitor – daí a imagem do “soneto duro” e “escuro”. Convém notar que a presença de apenas duas rimas em todo o soneto – -er e -uro – era incomum entre os sonetos clássicos.