Uma Reflexão imoral

Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo 14, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros desse mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se entende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me... (...) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.​

Do texto em pauta, integrante do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, É ERRADO entender que

  • a

    há nele um segundo sentido em relação ao que parece ser que se esconde atrás da linguagem e das atitudes. 

  • b

    há uma ironia que perpassa o texto, e que faz dos joalheiros os garantidores do universal comércio dos corações. 

  • c

    exemplifica, no amor de Marcela pelo narrador, a veracidade da reflexão imoral apresentada.

  • d

    chama de reflexão imoral e obscura porque não se faz entender nem no âmbito da linguagem nem no da interpretação dos sentimentos de Marcela.

Apesar do tom irônico, o narrador evidencia a natureza de seu relacionamento com Marcela, reduzido a uma questão de tempo (gasto por ela com ele) e de dinheiro (gasto por ele com ela). Essa dimensão financeira da relação íntima é reforçada pela referência ao “universal comércio dos corações”.