Neste ano de 2026, a prova da Fuvest veio com mudanças significativas, contando, agora, com duas propostas de redação baseadas em uma mesma coletânea de textos, a partir das quais, tendo como cerne de discussão o perdão, os candidatos deveriam refletir, selecionar e se apropriar das informações para a construção de sua redação. No que tange ao assunto proposto, a banca seguiu a tradição de trazer uma questão relevante para a compreensão de certas dinâmicas sociais da contemporaneidade, a partir de um recorte temático que possui um caráter simultaneamente social e abstrato, portanto seguindo o mesmo estilo de temática do ano anterior.

Para a elaboração da redação, faz-se necessária a apropriação das reflexões trazidas pela coletânea, composta por textos de diferentes tipos: trechos de obras literárias, versos de música popular e excertos com abordagem filosófica, além de uma fotografia. Dessa forma, era esperado que o candidato, com base em uma leitura atenta e inferencial, refletisse a respeito das relações humanas atuais e de como o ato do perdão se faz presente nessas dinâmicas.

O texto 1, de Juliana de Albuquerque, publicado na Folha de S.Paulo, traz um relato que retoma a história de W., um judeu que, na guerra, foi chamado ao leito de um oficial nazista moribundo que desejava pedir perdão pelos crimes cometidos. W. saiu sem responder. Décadas depois, ele questiona outras pessoas sobre o que fariam. O filósofo H. responde dizendo que não perdoaria e ilustra isso com outra narrativa: um rabino que se recusa a perdoar um agressor porque não tem o direito de perdoar por ofensa que não sofreu. Dessa forma, destaca-se, aqui, a ideia de que narrativas deixam espaço para debates e discordância ao problematizar o perdão e mostrar situações em que perdoar não é simples, automático nem sempre possível. Em outras palavras, pode ser limitado e condicionado por critérios éticos como: (a) quem tem legitimidade para perdoar, (b) o tipo de ofensa e (c) o contexto de violência extrema. Resumidamente, esse excerto explicita, por meio da anedota do rabino, que não existe perdão irrestrito, porque o perdão tem limite moral: só pode perdoar quem foi ofendido. Ao mesmo tempo, o caso do oficial nazista tensiona a ideia de perdão automático ou religioso — indicando que, em certas circunstâncias, recusar perdoar também é um ato ético.

O texto 2, um trecho da obra Tudo é rio, de Carla Madeira, mostra um personagem que, atormentado pela culpa de ter jogado o próprio filho longe, reconhece que o que fez “não tem perdão”, sente-se preso à própria história e negocia com Deus. A narrativa diferencia faltas pequenas — facilmente resolvidas com boa vontade — de atos imperdoáveis. Dessa forma, o trecho ilustra que nem todo pedido de perdão pode ser aceito, pois certos danos são grandes demais.

O texto 3, um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, constrói um contraste entre “tu” e “os outros” sob um tom de exaltação moral, de maneira que “os outros” são hipócritas, interesseiros e calculistas, enquanto “tu” és íntegro e corajoso. Aqui, não há uma abordagem exclusiva ao perdão; no entanto, o poema explicita posturas morais opostas — o que pode ser aplicado à reflexão sobre quem merece o perdão. Nesse sentido, certos comportamentos (calculistas, corruptos, mascarados) podem colocar em xeque a possibilidade de perdoar, porque revelam má-fé, de maneira que o ato, então, depende do caráter e das intenções do ofensor, não sendo automático.

O texto 4 é uma fotografia que retrata civis retornando a suas casas durante um cessar-fogo em Gaza — cenário de conflito, destruição e sofrimento civil. Por meio dessa imagem e à luz do tema, pode-se inferir que conflitos armados revelam situações em que perdoar não é simples nem imediato, de maneira que o perdão pode exigir condições, como paz, reparação, reconstrução, reconhecimento de culpa — ou, em alguns casos e dependendo do conflito, pode ser visto como inviável.

O texto 5, trecho de uma música do cantor e compositor Arlindo Cruz, fala sobre reconciliação amorosa: o eu lírico afirma que, se a pessoa amada quiser voltar, “tá perdoado”. Ao representar o perdão incondicional nesse contexto, explicita que, em certos casos, a emoção prevalece sobre a racionalidade, sugerindo que o ato de perdoar depende muito mais de afeto do que de critérios éticos. Sendo assim, trata-se de um perdão quase automático — indo na contramão dos outros textos motivadores —, ou seja, a depender da relação, o perdão pode parecer mais irrestrito.

Por fim, o texto 6, um trecho de Iaiá Garcia, de Machado de Assis, traz um narrador que afirma que, quando há estima por alguém, perdoa-se; e, quando não há, esquece-se. O perdão, então, é uma escolha pessoal e afetiva, que depende da relação e do sentimento, e não se trata, portanto, de um dever universal. Logo, Machado indica claramente que o perdão não é irrestrito, e sim seletivo, subjetivo e ligado ao vínculo emocional.

Resumindo:

  • Textos 1, 2 e 4 destacam limites éticos e emocionais do perdão, especialmente diante de violências graves;
  • Textos 3 e 6 mostram que o perdão pode depender de caráter e laços afetivos (e não deve ser irrestrito);
  • Texto 5 introduz o lado afetivo e espontâneo do perdão, funcionando como contraponto ao rigor moral dos outros.

Assim, a coletânea não obriga o candidato a defender que o perdão é condicionado ou irrestrito; ela abre caminhos diversos, mas todos apontam para a ideia de que o perdão envolve sempre escolhas, contextos e limites, mesmo quando parece fácil.

Proposta 1

Possibilidades de encaminhamento:

Concordar que o perdão pode ser condicionado ou limitado

O texto dissertativo pode defender o ponto de vista de que o perdão é um ato para o qual podem ser estabelecidas condições e limites, escorando-se, fundamentalmente, em aspectos como quem será perdoado, a relação e a história que se tem com quem ofendeu, a gravidade da ofensa e seus efeitos sobre o ofendido ou sobre outras pessoas. Em outros termos, nessa perspectiva, o perdão total não seria a melhor atitude, sobretudo quando se consideram envolvimento afetivo entre indivíduos, violências estruturais ou danos irreparáveis que ultrapassam o desejo pessoal de reparação. O perdão irrestrito, pode, inclusive, banalizar a dor da(s) vítima(s), favorecer a impunidade, ou ser interpretado como consentimento em relação ao ato ofensor. Dessa forma, impor condições ou limites ao perdão seria uma atitude associada à noção mais ampla de justiça, de preservação da memória e da dignidade humana. Para sustentar esse posicionamento, algumas possibilidades de desenvolvimento poderiam ser consideradas, tais quais:

  • O Texto 1 sustenta a ideia de que o perdão encontra limites éticos: tanto o filósofo H. quanto a anedota do rabino de Brest defendem que ninguém pode perdoar em nome de quem foi diretamente ofendido. A recusa do rabino em aceitar o pedido de desculpas reforça a concepção de que o perdão depende das circunstâncias da ofensa e da extensão dos danos, e não depende apenas do arrependimento tardio do agressor. Nessa lógica, o perdão não é entendido como uma atitude universal, automática ou irrestrita, mas condicionada à legitimidade moral e ao sentimento de dor ou de libertação dela experimentados por aquele que o concede. O próprio caso do holocausto judaico tratado no texto, bem como outros controversos fatos históricos, como a exploração de indígenas, a escravização de negros, a ditadura militar, no caso brasileiro, poderiam desempenhar expressivo papel argumentativo para essa reflexão. Nessa mesma linha, o Texto 4, ao abordar o contexto do cessar-fogo entre Israel e o Hamas, na faixa de Gaza, pode dar amparo à tese das restrições ao perdão, uma vez que há condições para o encerramento do conflito, no plano mais pragmático do presente e de perdão, a fim de que a convivência seja possível a partir do médio prazo, apesar de todas as mortes e de toda a destruição.
  • O Texto 2 reafirma a tese de que o perdão é limitado, pois enfatiza a dimensão do imperdoável, ao afirmar que certos atos ultrapassam os limites do que pode ser absolvido, sobretudo quando ligados a traumas profundos, a violências extremas ou àquilo que não pode ser remediado e causa imensa dor. Nesse sentido, as vítimas da violência urbana, por exemplo, clamam por justiça não como forma de perdão total, mas como uma forma de afirmar que o perdão é condicionado a um processo legal, a uma sentença e ao cumprimento de uma pena como forma de reparação do dano causado. E nesse contexto, o perdão tem uma conotação social, com a soltura do agressor após o tempo de pena; talvez, ainda assim, não tenha a conotação individual do agredido – e esse aspecto é outro a ser considerado, uma vez que a gravidade das ofensas pode acabar delimitando o que é aceitável ou não em termos de limites do perdão. Nessa mesma linha, o Texto 3, o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, sugere uma ética da integridade moral, pois o enunciador não compactua com o uso da virtude para comprar aquilo “que não tem perdão”, indicando que perdoar indiscriminadamente pode significar cumplicidade com a injustiça, com a banalização do erro ou com o incentivo a reincidências. Também no contexto mais afetivo, o Texto 5 pode ajudar a argumentar que esse perdão incondicional é próprio das relações íntimas, não se aplicando necessariamente a contextos de violência extrema ou crimes contra a humanidade.

Discordar da frase-tema, adotando posicionamento de que o perdão deve ser irrestrito, ilimitado

De maneira oposta, o texto dissertativo pode ser redigido para sustentar que o perdão não deve ser condicionado e limitado, ou seja, ele deve ser absoluto, irrestrito, pois constitui um ato ético de superação do ressentimento, de altruísmo e de pacificação e libertação interior. Mesmo diante do que, para muitos, pode ser considerado imperdoável, o perdão não apaga a culpa do agressor nem substitui a justiça, mas impede que o ofendido permaneça prisioneiro do trauma e de sentimentos negativos como a vingança ou o ódio. Nessa perspectiva, o perdão é entendido como um gesto radical de humanidade, de altruísmo, capaz de romper ciclos de ódio e permitir a reconstrução de vínculos pessoais e coletivos em nome da convivência o mais harmônica possível. Para sustentar esse posicionamento, algumas possibilidades de desenvolvimento poderiam ser consideradas, tais quais:

  • O Texto 2 pode ser lido como uma defesa do perdão irrestrito justamente porque ele confronta aquilo que é considerado imperdoável: se o perdão só fosse necessário para pequenas falhas, ele perderia sua força ética, reconciliadora e humanizadora. Sua grandeza reside exatamente em romper com a lógica da culpa, da vingança, do ressentimento e adotar uma postura conciliatória em nome da uma forma de coexistência pacífica (externa e internamente). O Texto 5, a canção de Arlindo Cruz, reforça essa noção ao apresentar o perdão como um gesto de amor radical, capaz de perdoar tudo em nome do restabelecimento de vínculos e curar dores profundas, independentemente da gravidade da falta. O Texto 6, de Machado de Assis, também associa o perdão à liberdade interior de quem perdoa, indicando que perdoar é menos um favor ao outro e mais uma forma íntima de superar o ressentimento e seguir adiante, sem amarrar-se a sentimentos negativos como o ódio. O perdão ilimitado, especialmente quando consideradas as relações afetivas interpessoais, pode ser relacionado a posturas mais egocêntricas ou mais altruístas, mais centradas na dor de quem se viu ofendido ou na necessidade de perpetuar a relação com o outro. Diversos discursos religiosos também vão na mesma direção, enfatizando a necessidade do perdão como forma de coexistência mais razoável do indivíduo consigo mesmo e com o outro. 
  • O Texto 4, ao retratar o retorno dos palestinos para suas casas após o cessar-fogo entre Israel e Hamas, permite interpretar o perdão como condição para a reconstrução social. Sem o perdão pelas agressões, os conflitos se perpetuam indefinidamente, dizimando vidas e a oportunidade de reconciliação. Aqui o perdão irrestrito pode ser entendido não como apagamento total dos crimes de guerra, mas como encerramento mútuo das hostilidades. Na mesma linha, mesmo no Texto 1, a dúvida de W. e sua posterior reflexão indicam que o perdão não se resolve apenas por regras morais rígidas, mas envolve escolhas pessoais, emocionais e históricas. Assim, pode-se sustentar que impor limites ao perdão equivale a submetê-lo à racionalidade jurídica ou moral, ao passo que a verdadeira natureza do perdão é existencial, subjetiva e humanizadora, e visa interromper ciclos de ódio.

Outras possibilidades de defesa do ponto de vista ante a frase-tema

A análise dos textos da coletânea permite concluir que eles exploram muito mais a oposição entre o perdão limitado e condicionante versus o perdão irrestrito e ilimitado. Não é evidente nesses mesmos textos um outro tipo de oposição que poderia ser inferida da frase-tema, como a que contrasta o perdão condicionado e o perdão limitado. Seguindo essa possibilidade, o candidato até poderia defender a ideia de que o perdão é um ato que pode ser limitado, mas não condicionado – o contrário, entretanto, geraria uma incoerência ao defender que o perdão pode ser condicionado, mas não limitado, pois a imposição de uma condição é, de certa forma, uma limitação do perdão.

Ainda assim, parece fazer mais sentido que a conjunção ou que une os termos condicionado e limitado seja interpretada como não excludente, corroborando um posicionamento favorável ou contrário ao conjunto das duas ideias, perspectiva endossada pelos textos selecionados para comporem a coletânea.

Proposta 2

Aqui, o candidato deveria escrever uma carta destinada a uma personagem hipotética que o acusou injustamente de um ato moralmente condenável. Ao solicitar esse gênero, contudo, é preciso ressaltar que a Fuvest descumpriu uma informação essencial — anunciada pela própria banca — no início do ano: de que traria um gênero de natureza narrativa como segunda possibilidade de redação. Esperava-se, portanto, algo como relato pessoal, conto, crônica etc. Mas, ao solicitar uma carta, cobrou-se, na verdade, um gênero em que claramente predomina a natureza argumentativa.

Sendo assim, embora a proposta peça ao candidato que escreva a uma personagem que o acusou falsamente, isso não transforma a carta em um texto narrativo, já que essa gênero exige, essencialmente, presença de enredo, acontecimentos encadeados, tempo da ação, personagens atuando, conflito, tensão e resolução. A carta solicitada pela Fuvest demanda menos esses elementos da narrativa do que a justificativa de uma posição (perdoar ou não perdoar), expressar razões e valores e argumentar diretamente com o interlocutor. Ou seja, apesar de o aluno poder citar ou relembrar episódios passados, a função principal do texto não é narrar esses eventos, mas interpretá-los e avaliá-los — essa diferença é fundamental para diferenciar o gênero proposto do esperado.

Sendo assim, para que o candidato atendesse ao que foi solicitado pela banca, deveria:

  • Explicar as razões pelas quais concede ou não o perdão;
  • Dialogar com o tema geral (O perdão é um ato que pode ser condicionado ou limitado);
  • Utilizar linguagem e marcas de carta (vocativo, despedida, assinatura “Nome”, tom mais subjetivo e interpelativo);
  • Demonstrar reflexão crítica, ainda que num gênero pessoal.

Além disso, por mais que se trate de um texto marcado pela pessoalidade, era necessário revelar um posicionamento ético estruturado, de maneira que o candidato pudesse explicitar quais são seus critérios de perdão, para que, naquela situação específica, fosse possível, impossível ou possível somente sob condições — a depender do posicionamento adotado. Por fim, era importante deixar claro como essa experiência pessoal se relaciona com a ideia de limites morais, emocionais ou práticos. Portanto, tem-se a solicitação de uma carta argumentativa e com voz pessoal.

Encaminhamentos possíveis:

“Eu perdoo, mas com condições e limitações”

Aqui, o candidato pode declarar que o perdão só será concedido se houver reconhecimento real da culpa, mudança de atitude ou reparação por parte do culpado, declarando que o ato injusto abalou a confiança e, portanto, o perdão depende de reconstrução.

Como a coletânea ajuda esse caminho?

  • Texto 1 (rabino): o perdão depende de legitimidade e circunstância.
  • Texto 3 (poema): a distinção entre a pessoa sincera e a pessoa calculista pode ser usada para condicionar o perdão.
  • Texto 6 (Machado): a estima pode influenciar a decisão.

“Eu não perdoo (e explico por quê)”

Para defender esse posicionamento, o candidato pode argumentar que certas acusações injustas geram danos que não podem ser revertidos, como ao afetar sua reputação, relações sociais e de trabalho etc. Além disso, para melhor articulação com a coletânea, citar que alguns atos ultrapassam o limite ético e emocional do perdão era essencial.

Como a coletânea ajuda nesse caminho?

  • Texto 2 (Tudo é rio): reconhecimento de que há atos “imperdoáveis”.
  • Texto 1 (oficial nazista): há situações em que o perdão não é moralmente obrigatório.

“Eu perdoo incondicionalmente”

Tratava-se também de um dos possíveis posicionamentos a serem seguidos, de acordo com inferências da coletânea. Para isso, seria interessante adotar um tom de generosidade e maturidade emocional, tendo como base a ideia de que carregar rancor causa mais sofrimento do que o ato do perdão, por exemplo.

Como a coletânea ajuda nesse caminho?

  • Texto 5 (Tá perdoado): perdão espontâneo no âmbito da relação íntima.
  • Texto 6 (Machado): a estima torna o perdão mais natural.

Por fim, é válido ressaltar que, mesmo escolhendo entre perdoar, perdoar com condições ou não perdoar, o candidato poderia recorrer a muitas justificativas diferentes dentro de cada posição. Isso porque o tema permite argumentos de ordem ética, emocional, psicológica, relacional ou prática. O importante, portanto, era mostrar coerência interna, ou seja, explicar por que a decisão escolhida faz sentido para o eu da carta e como isso se relaciona com a ideia de que o perdão pode ter limites, requisitos ou exceções. Sendo assim, há espaço para múltiplas abordagens dentro de cada posição, desde que sustentadas por reflexão e conectadas ao tema dos condicionamentos do perdão.