a) A semelhança é que, para cozinhar o feijão, em primeiro lugar, é preciso selecionar os melhores grãos; para escrever, é necessário, antes de tudo, escolher as melhores palavras. Isso pode ser feito com ajuda de um vaso de água. Por isso, o eu lírico afirma: “joga-se os grãos na água do alguidar / e as palavras na da folha de papel; / e depois, joga-se fora o que boiar.” Assim, aquilo que boia é “o leve e oco, palha e eco” e que, por isso, não serve para ser cozinhado ou escrito.
A diferença é que, nesse processo de selecionar os grãos de feijão, existe “um risco: de que entre os grãos pesados entre / um grão qualquer, pedra ou indigesto, / um grão imastigável, de quebrar dente.” O que é ruim para o ato de catar feijão é, no entanto, bom para a ação de escrever, pois “a pedra dá à frase seu grão mais vivo”, obstruindo a leitura e aumentando a atenção de quem lê o texto.
b) Os neologismos “fluviante” e “flutual” funcionam, no contexto do poema, como “um grão imastigável, de quebrar dente”, que “obstrui a leitura”, “açula a atenção” e “isca-a com o risco”. São termos que, por não estarem dicionarizados, obrigam o leitor a parar para desvendar seu significado. Do ponto de vista morfológico, esses adjetivos parecem ter sido criados a partir da troca da segunda sílaba de “flu-tu-an-te” pela segunda sílaba de “flu-vi-al”, dando origem a “fluviante” e “flutual”. Também se pode pensar numa permuta entre os sufixos -ante e -al. Não é descabido ainda considerar que há uma espécie de aglutinação que teria formado “fluviante” de fluvial + flutuante e “flutual” de flutuante + fluvial, já que, semanticamente, há uma sobreposição entre os significados dos dois adjetivos. Assim, para o eu lírico, a “leitura fluviante, flutual” é a interpretação superficial, da qual ele pretende que seus leitores se afastem.
