a) No primeiro excerto, a atitude de um Celestino ainda jovem aponta para seu caráter violento e indiferente à dor que infligia aos outros. Na cena em que ele “sufocara em mar alto” dezenas de escravizados, o texto evidencia a satisfação do Capitão, que “sorriu, como se estivesse sozinho”, ao constatar o silêncio consequente às mortes. Além disso, seu alheamento diante do sofrimento é reforçado pela atitude de sorver a maresia “sem olhar a mortandade”.

Já no segundo excerto, Celestino aparece idoso, imerso em um estado de confusão mental. Em seu pensamento, passado e presente se misturam: ele cantarolava “cantigas de juventude”, sua casa parecia “uma balsa esquecida nas ondas, ou o porão de escravos de um navio à deriva” e seus braços “esboçavam gestos de marinhar”. Tudo ocorre como se seu corpo envelhecido continuasse a reverberar os gestos de outrora, “uma arte antiga, guardada debaixo de sua pele”, mas agora sem alvo e propósito.

b) Enquanto o espaço do navio se relaciona ao passado e à travessia pelo Atlântico, o espaço da casa se liga ao seu presente de decadência, de modo que ela se assemelha a “uma balsa esquecida nas ondas” ou a “um navio à deriva”. Essa oposição entre “o mar onde tinha navegado” (sentido denotativo) e o “mar outro, sem homens e sem tempo” (sentido conotativo) amplia o contraste entre sua juventude, marcada pela potência, e o momento final da vida, caracterizado pela impotência e por uma percepção confusa de si e do que o cerca. Em seu caminho para a morte, o “mar outro”, Celestino se desconecta gradativamente dos homens, isolando-se cada vez mais, e perde aos poucos os traços que o identificavam, deixando de usar a pala de couro e raspando sua barba. Por fim, no contexto geral do romance, o pirata se assemelha progressivamente às plantas de seu jardim e, desse modo, afasta-se de sua condição humana, em que o próprio tempo perde importância e consistência, diluindo as fronteiras entre o hoje e o ontem.